A comparação efetuada, entre os jornais de “qualidade” e os jornais “populares”, revelou-se frutuosa, ainda que as fronteiras entre estes dois tipos de jornais sejam cada vez mais ténues.
A grande diferença identificada entre estes dois tipos de jornal refere-se à tendência geral observada. Nos jornais de “qualidade, foi possível identificar uma forte tendência para o aumento dos artigos sobre assuntos de ciência e tecnologia. Curiosamente, no caso dos jornais “populares”, verificou-se uma maior apetência para a publicação de artigos sobre estes assuntos até finais da década de 1980. A partir daí, observou-se uma opção editorial marcada pela diminuição de publicação destes artigos. Acrescente-se que, no caso dos jornais “populares”, boa parte deste artigos debruçou-se sobre estas temáticas de forma superficial, abordando o assunto do ponto de vista da curiosidade e da bizarria.
No que diz respeito aos principais atores presentes, em ambas as tipologias de jornal, os artigos revelaram uma ciência e tecnologia de rosto masculino, não consonante com a proporção e importância das mulheres na ciência e tecnologia produzidas em Portugal, ainda que se tenha observado uma crescente presença de mulheres, à medida que nos aproximamos da atualidade.
Relativamente aos temas dominantes, em ambos os tipos de jornal, observou-se um predomínio generalizado dos artigos que versavam sobre questões de biologia humana e saúde. A presença paradigmática da medicina e da saúde, revelou uma imagem da ciência e tecnologia muito conectada com as preocupações quotidiana com a saúde. Não obstante as nuances de proporção, ao longo dos anos, também ambos os tipos de jornal deram especial ênfase à astronomia e ao espaço, e à história, arqueologia e antropologia. Se no caso da astronomia e do espaço, os artigos eram muito relacionados com a conquista espacial e a guerra fria, no caso da história, arqueologia e antropologia, os artigos reportavam descobertas arqueológicas, bem como o património histórico português, em Portugal e no mundo. Saliente-se, que esta visão de auto-valorização da história e património nacionais estava mais patente nos jornais “populares”. Também não é de descurar a relevância dada às questões ambientais e relacionadas com a energia nuclear e de uma crescente consciencialização das populações, para os problemas decorrentes da má gestão ambiental – mais nos jornais de “qualidade” – e aos computadores, informática e internet – nos jornais “populares”.
No sentido de compreender as geografias da ciência e da tecnologia, considerou-se relevante analisar a localização geográfica, dos eventos relatados nos jornais. Assim, os dados recolhidos permitem afirmar que independentemente, do tipo de jornal os eventos ocorreram maioritariamente na Europa, primeiro, e na América do Norte, depois. Estamos perante uma ciência e tecnologia Made in Europe e Made in USA and Canada. Nos últimos anos, ambos os tipos de jornais transmitiram uma imagem da ciência e da tecnologia de “rosto europeu”.
Quanto ao discurso dominante utilizado na comunicação de questões de ciência e tecnologia, também se identificaram algumas nuances. Ao longo dos anos, nos jornais de “qualidade” observou-se a evolução de um discurso dominante de benefício dos desenvolvimentos, científicos e tecnológicos, para um discurso tendencialmente enfatizador dos riscos. Nos jornais “populares”, o discurso do benefício foi predominante. De um modo geral, a imagem da ciência e da tecnologia, parece ser dominada por um discurso de benefício e de promessa.
Estes são alguns dos itens que permitem compreender e refletir sobre a presença da ciência e da tecnologia na imprensa portuguesa, num longo período da história recente de Portugal. Dá que pensar…
*Rui Brito Fonseca é Presidente e Professor Coordenador no Instituto Superior de Ciências Educativas do Douro, em Penafiel (desde 2019). Professor adjunto no Instituto Superior de Ciências Educativas, em Odivelas (desde 2010). Doutorado em Sociologia e Mestre em Ciências do Trabalho, pelo ISCTE-IUL. É também licenciado em Ciência Política com especialização em relações internacionais, pela Universidade Lusófona.
É desde 2000 investigador, tendo vindo a desenvolver trabalho sobre comunicação, media e compreensão pública da ciência, sobre tecnologias da informação e comunicação em saúde e sobre toxicodependências, em diversos projetos de investigação.