A Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto afirmou, este sábado, que a falta de médicos e enfermeiros nos serviços de obstetrícia e ginecologia está a começar a afetar também a mortalidade materna.
“A taxa de mortalidade perinatal é um dos maiores indicadores da qualidade dos serviços obstétricos de um país, mas, como soubemos há pouco tempo, a taxa de mortalidade materna tem vindo a ter uma curva ascendente nos últimos dez anos”, disse à agência Lusa a presidente da associação, Sara do Vale.
Aludindo ao caso de uma grávida que perdeu o bebé alegadamente por falta de obstetras no hospital das Caldas da Rainha, Sara do Vale afirmou “ser triste que se tenha tido que chegar a esse ponto para se olhar de frente para um problema urgente”.
CALDAS DA RAINHA NÃO É CASO ÚNICO
Sara do Vale contou que, na sexta-feira, a associação recebeu “imensas mensagens de muitas mulheres a dizer que este não é um caso isolado, não só naquele hospital como noutros”.
“Há mulheres a relatar dificuldades de acesso às ecografias, exames de diagnóstico, em outros hospitais do país e, portanto, parece que se abriu aqui uma comporta de coisas que já se vinham a passar e isto infelizmente é uma consequência”, lamentou a presidente da organização não-governamental (ONG).
No terreno, “estamos a ver esta situação como uma consequência, que já se anunciava, da sistemática falta de investimento no nosso SNS [Serviço Nacional de Saúde]”.
“Os próprios profissionais no terreno também já têm vindo a alertar para as faltas de condições e, ao mesmo tempo, o desespero das mulheres perante não só o local onde podem ir ter os seus bebés, como a incerteza de saber se as portas das maternidades vão estar abertas ou não”, vincou.
SERVIÇOS DEPENDENTES DE HORAS EXTRAORDINÁRIAS
Para Sara do Vale, “é urgente” o Estado tomar medidas, sublinhando que o número de profissionais de saúde nos serviços “é completamente desadequado”.
“Nenhum serviço público de obstetrícia no país atualmente sobrevive sem horas extraordinárias dos seus médicos e enfermeiros especialistas, essa é a verdade. É preciso conseguir fixar estes profissionais”, defendeu.
Apontou como uma das soluções “descongelar as carreiras”: “Não só em termos de continuidade de cuidados que todas as mulheres têm direito, e que a evidência já veio demonstrar ser o mais seguro para mães e bebés, como também para fidelizar os profissionais e acabar com um ‘burnout’ que também se está a assistir muito do lado do pessoal de obstetrícia”.
Esta situação, salientou, gera “muita ansiedade” relativamente ao futuro. “Não nos podemos esquecer que a gravidez e o parto é um momento marcante na vida destas famílias e que pode influenciar negativamente a saúde mental, e não só, destas mães, destes bebés e nós temos mesmo que olhar para isso com sensibilidade”.
MARCELO PREOCUPADO, MAS DESDRAMATIZA
Em Londres, o Presidente da República considerou, este sábado, ser objeto de preocupação o encerramento de serviços de urgência de obstetrícia, mas contrapôs que se trata de um “ponto crítico específico” e que deve olhar-se para o sistema de saúde globalmente.
O chefe de Estado desdramatizou, dizendo que houve “uma situação crítica neste fim de semana longo em alguns serviços de obstetrícia”.
O Hospital de Braga confirmou, este sábado, que vai fechar domingo, e durante 24 horas, a urgência de obstetrícia “pela impossibilidade completar escalas”, mas garante que “está a trabalhar” para que “a resposta seja garantida” junto de outras unidades.