O Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS), uma das peças que dará seguimento à Lei de Bases da Saúde, vai a Conselho de Ministros no início de julho. E uma das medidas incluídas na proposta do Governo que entrou em discussão pública há um ano é a criação de uma espécie de “CEO” do SNS, uma direção executiva do serviço à parte do Ministério da Saúde.
Essa será uma das soluções para melhor gestão e articulação dos meios do SNS. E também uma forma de não fazer recair sempre sobre os decisores políticos os problemas de gestão e coordenação de meios, como aconteceu nas ultimas semanas com as falhas que levaram ao encerramento não coordenado de urgências obstétricas.
Falhas que o primeiro-ministro assumiu esta quarta-feira, no debate de política geral e considerou mesmo inaceitáveis. “Obviamente que não considero aceitáveis essas falhas de serviço”, reconheceu António Costa, depois de ouvir o PSD enumerar as queixas, “muitas e crescentes”, dos utentes no SNS. Ainda assim, o chefe do Governos segurou a sua ministra da Saúde, resistindo aos pedidos de demissão. “Até prova em contrário, só há uma pessoa que escolhe membros do Governo. E neste momento, sou eu.”
“A responsabilidade política de tudo o que ocorre no Governo é, obviamente, do primeiro-ministro”, disse também Costa, que foi debitando número de reforço de investimento e pessoal no SNS, mas acabaria por reconhecer em resposta o líder parlamentar do PSD: “Tem razão, não basta reforçar o SNS.”
“O novo quadro demográfico exige reformas estruturais do SNS”, assumiu o primeiro-ministro, repetindo argumentos que o Presidente da República também usou esta semana.
“Há novos desafios e, perante novos desafios, reajustar o SNS é repensar o SNS”, defendeu Marcelo, lembrando que o SNS nasceu numa “sociedade jovem” muito diferente da sociedade de hoje em que é procurado por “uma sociedade cada vez mais envelhecida”. Por isso, é preciso ajustar meios, procedimentos, especialidades e formas de gestão.
“Outra maneira é: vamos apagando os fogos, apaga-se esta semana um fogo, daqui a 15 dias apaga-se outro fogo. O grande problema disso é que acaba por se apagar fogos setoriais pontuais, e a questão de fundo vai sendo empurrada com a barriga para a frente”, afirmou o chefe de Estado, que dividiu os problemas na saúde em 3 tipos: os “muitos urgentes” – em que inseriu as recentes falhas nos serviços de urgência e obstetrícia; “os urgentes”, como a preparação para o verão; e “os estruturais”, que exigem respostas de fundo, tanto ao nível do investimento como da alterações de gestão.
Questionado várias vezes sobre uma eventual demissão da ministra, Marcelo segurou Temido. “O problema não é da pessoa A, da pessoa B, ou da pessoa C, nem sequer de um Governo, deste ou de outro. O problema de fundo é estrutural, não é de um governo. Se quiser é um bocadinho de haver políticas diferentes entre governos, isto exige uma certa estabilidade de políticas” – disse o Presidente da República à margem da sessão de 10º aniversário do Conselho de Finanças Públicas.
Com o Presidente e o primeiro-ministro a segurá-la, mas ao mesmo tempo a apontarem os problemas, a ministra vê aumentar a pressão para medidas que estabilizem o SNS depois de dois anos de pandemia. Marcelo considera mesmo que este é o ” momento melhor para fazer o ponto da situação” que “não era uma boa ideia” ser feito durante a pandemia. “Agora é a ocasião e o PRR oferece uma parte de resposta”, prosseguiu Marcelo. O Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) tem uma verba de 1,3 mil milhões de euros para a área da saúde, destinados a 3 linhas de ação: reforma dos cuidados de saúde primários, reforma dos cuidados de saúde mental e reforma do modelo de governação dos hospitais públicos.
Também Costa no Parlamento lembrou as verbas do PRR para a saúde, defendendo a aposta “na medicina de proximidade para diminuir a pressão nas urgências hospitalares” e nos cuidados continuados – feitos sobretudo pelo setor social – também com o mesmo fim. Além disso, promete generalizar as unidades de saúde familiar a todo o país o que, disse, permitira remunerar os profissionais de saúde “de forma mais justa”.
ESTRUTURA DE REFERENCIAÇÃO DE DOENTES PARA EVITAR ‘PESCA À LINHA” DE LUGARES
O primeiro-ministro também defendeu a necessidade de uma “estrutura de referenciação de doentes”, que evite que os hospitais continuem a ter de ligar uns para os outros à procura de vagas para os seus doentes que precisam de determinada especialidade. “Temos de ir ligando um a um, pedindo por favor para aceitarem um doente em vez de ligarmos apenas para um sítio que reencaminhe o doente para onde houver vaga”, queixa-se ao Expresso um responsável hospitalar. Esse tipo de coordenação chegou a ser feita durante a pandemia para as camas de cuidados intensivos por uma equipa coordenada pelo intensivista João Gouveia. Uma tarefa semelhante está agora entregue à comissão de acompanhamento das urgências obstétricas.
Contudo, estas comissões não resolvem o problema geral de coordenação de meios e serviços, que a direção executiva do SNS que venha a ser criada deve ter nas suas competências. Além disso, está em cima da mesa uma eventual alteração nas Administrações Regionais de Saúde (ARS), seja porque não fazem já muito sentido, como defendem alguns especialistas em políticas de saúde, seja porque não são eficazes na coordenação hospitalar. As ARS quando muito conseguem ter alguma responsabilidade e autoridade sobre os centros de saúde, mas os hospitais – seja pela urgência de resolução de problemas, seja pela autonomia das administrações – acabam por sair da alçada destas estruturas. Daí que a falta de coordenação no encerramentos de urgências obstétricas seja vista como mais um falhanço das ARS e a nomeação da comissão de acompanhamento como um certificado de incompetência.
Se há quem defenda alterações nas ARS ou até a sua extinção, também há quem lembre que no Porto não existem problemas de coordenação de serviços e que ali a reforma nas urgências já foi feita. Por isso, a solução pode ser tão simples quanto “copiar” o Porto.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL