Ainda não se sabe muito acerca da BA.2. a nova linhagem do vírus de covid que deriva da variante Ómicron (BA.1), mas está confirmado que já circula em Portugal, desconhecendo-se qual a sua dimensão atual ou a que poderá atingir nas próximas semanas. Para já, há pelo menos “uma introdução no Algarve” – mas tudo indica que já haja uma percentagem significativa de casos, mesmo que sem afetar o predomínio da Ómicron, cuja linhagem BA.1 foi estimada esta semana em 93% das infeções em Portugal.
A descoberta de casos no país foi feita após o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) ter detetado em dezembro um decréscimo de cerca de 10% no indicador laboratorial utilizado para identificar infeções com a variante Ómicron – a falta do gene S (na terminologia médica designado de S Gene Target Failure), que existe na BA.2 e também na variante Delta.
O INSA estranhou e resolveu pedir uma análise de “amostras aleatórias” ao laboratório Unilabs, com a sequência genómica do vírus estudada ao pormenor. “Estes ensaios preliminares revelaram perfis mutacionais compatíveis com a linhagem BA.2”, e a quantidade de falhas verificadas nos testes do critério revelador da variante Ómicron “poderá dever-se, pelo menos parcialmente, a um aumento de circulação desta linhagem em Portugal”, avança o INSA no relatório publicado esta terça-feira.
A nova linhagem de Ómicron está presente também na Dinamarca, Reino Unido, Bélgica, África do Sul ou Índia, além de Israel, que recentemente reportou 20 casos de BA.2.
“O PCR clássico não está a dar a informação toda”, resume Nuno Vale, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, lembrando que “sempre que há falhas nos parâmetros dos PCR, é sinal de que estamos perante uma subvariante que tem de ser analisada”.
“Há uma inquietação relativa aos 10% de falhas nos testes, não havendo ainda uma relação direta que permita dizer que todos os casos são BA.2. Mas não é de estranhar que o que até agora está identificado como Ómicron pode ter outro nome e vir a tornar-se dominante”, refere Nuno Vale, frisando ser essencial “fazer um estudo genómico para ter a certeza que é a BA.2 que está a circular”.
“Esta sublinhagem da Ómicron não é fácil de entender. Tem uma linhagem ancestral de deriva da Ómicron, tem caraterísticas genéticas semelhantes e, portanto, é da sua família. Mas existem algumas modificações na sua sequência de genes, e com a particularidade de ter mutações na proteína spike de ligação que a BA.1 não tem, e com caraterísticas que se assemelham à Delta”, descreve o professor de Medicina da Universidade do Porto.
Nova linhagem pode implicar testes complementares
Os atuais testes PCR continuam a ser efetivos para as pessoas perceberem que estão infetadas e precisam de entrar em isolamento – e vão continuar a ser a referência para determinar a doença. Para determinar as variantes que mais circulam são analisadas amostras representativas da população, porque um teste vulgar não identifica a variante. E, na deteção desta linhagem, o PCR “pode causar incerteza” e obrigar a análise da “sequência genómica total” para a determinar.
“Por causa das falhas detetadas nos PCR normais, a discussão internacional que está a haver é que este pode não ser no futuro a melhor via para distinguir se estamos perante a variante Ómicron ou a Delta”, frisa Nuno Vale.
As diferenças da BA.2 em relação à Ómicron ‘normal’ também podem ditar alterações ao nível da sua transmissão. “Se há uma sublinhagem que consegue parar um crescimento fulminante como o da Ómicron face à Delta, é natural que cause alguma preocupação. O que se percebe em estudos internacionais é que há tendência para esta linhagem ser mais transmissível e destronar a clássica Ómicron”, nota.
“Mas não podemos dizer que será uma fatalidade se isso acontecer”, sublinha Nuno Vale. “Haverá um momento em que o vírus estará numa fase de declínio, e possivelmente já estamos na fase da sua diminuição”.
“Temos de estar atentos ao que já está a acontecer em outros países, e é da máxima importância o estudo que resultar do estudo do INSA”, frisa o especialista. De momento, os investigadores do Instituto Ricardo Jorge estão a remeter toda a informação sobre a nova linhagem de Ómicron ao que consta no seu relatório de terça-feira, da responsabilidade da equipa do investigador João Paulo Gomes, e sob atualização semanal.
“Para já nada indica que tenha mais perigosidade”
Na perspetiva de Paulo Paixão, presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia e professor de Ciências Médicas na Universidade de Lisboa, a nova linhagem de Ómicron “é um fenómeno natural, e para já nada diz que tenha mais perigosidade, não sendo expectável que venha a alterar o curso da pandemia até ao momento”.
“Esta não é considerada uma variante, é um desvio dentro da Ómicron”, explicita Paulo Paixão, lembrando que o mesmo fenómeno de mutações do vírus já se tinha verificado com a variante Delta em relação à variante original, a Alfa, e posteriormente com a Ómicron.
Frisando ainda haver pouca informação médica sobre a BA.2, o presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia considera que “se esta sublinhagem começar a sobrepôr-se à outra [a Ómicron], à partida poderá ser mais transmissível”, mas o especialista não acredita que o efeito “venha a ser muito significativo ou preocupante”.
Para Pedro Simas, virologista e investigador principal do Instituto de Medicina Molecular (IMM), o facto de a nova linhagem ter surgido em Portugal significa que “é expectável que seja mais contagiosa, mas não tão virulenta, pois as estirpes mais eficazes a disseminar são também as menos virulentas”.
“Não se sabe se a BA.2 vai vingar ou se vai desaparecer, e se for mais contagiosa por invadir a resposta de anticorpos pode criar um problema de saúde pública como acontece com a gripe, mas já não é uma questão pandémica”, salienta o virologista
“O coronavírus está a seguir o seu curso evolutivo, e qualquer variante que surja é por definição mais contagiosa, dissemina-se com mais facilidade. Estamos numa fase em que construímos imunidade vacinal, mas que não é tão completa como a imunidade natural, quando a maior parte das pessoas são infetadas naturalmente”, destaca Pedro Simas.
“Não vejo que esta BA.2 seja um problema, tem é de ser vigiada. A probabilidade de dominar sobre a Ómicron é grande, mas não há mais nada que possamos fazer, temos a maior parte da população vacinada, e o que é preciso é proteger os grupos de risco”, conclui.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL