Num caso descrito como “único” e “excecional”, uma paciente com o Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) apresenta uma carga indetetável do vírus “há mais de 15 anos”, não tendo recorrido a medicação para controlar a infeção.
A paciente de nacionalidade espanhola participou num ensaio clínico realizado por uma equipa médica do Hospital Clínic de Barcelona. Em conferência de imprensa, Josep Mallolas, diretor da unidade de VIH-sida da clínica, explicou que, depois de a paciente ter feito medicação “durante um curto período de tempo” — não utilizando fármacos “há mais de 15 anos” —, “controla totalmente o vírus da sida”.
A equipa médica que realizou a investigação não só fez esta descoberta, como percebeu que mecanismo pode estar associado a esta capacidade de manter o vírus indetetável, acrescentou o diretor, em declarações ao jornal espanhol “El País”.
DESCOBERTO MECANISMO QUE PERMITE CONTROLAR O VÍRUS
Ao analisarem subpopulações de células do sangue — como as células NK (ou “natural killer”, designação comummente utilizada para identificar estas células que fazem parte do sistema imunitário) e os linfócitos T CD8+ (que integram o mesmo sistema e são capazes de induzir a morte de células infetadas através de determinados mecanismos) — a equipa médica concluiu que havia um “controlo muito drástico da replicação do vírus”.
O que sugere que estas subpopulações de células, e não os linfócitos T CD4+, que são “a principal porta de entrada” do vírus no organismo, foram “responsáveis” por este processo. Essa é, na verdade, a “grande novidade” desta investigação, segundo a equipa. “A paciente apresenta níveis muito elevados destas células, que podem estar a bloquear ou a destruir as células que estão infetadas”, sublinhou Núria Climent, uma das médicas que realizou o ensaio clínico.
A paciente espanhola, a quem foi diagnosticado o vírus do VIH em 2006, foi a única das 20 pessoas que participaram no ensaio a revelar este controlo total da infeção. Ainda assim, a equipa médica está otimista sobre os resultados que podem ser alcançados daqui para a frente.
“Se formos capazes, através de um tratamento, de repetir ou replicar a capacidade imunitária inata que tem esta paciente, as vantagens serão enormes”, disse o diretor Josep Mallolas, considerando que se está perante a “primeira vitória do sistema imunitário sobre o vírus”.
ENSAIO “ADICIONA CONHECIMENTO” MAS É “DIFÍCIL DE REPLICAR”
Para Ricardo Fernandes, diretor executivo do Grupo de Ativistas em Tratamentos (GAT), que dá apoio a pessoas afetadas pelo VIH e sida, a “novidade” do estudo é o período de tempo em que não foi detetada uma carga do vírus no organismo da paciente.
Em entrevista ao Expresso, ressalva, no entanto, que já foram identificados casos de pessoas, como o conhecido “paciente de Berlim”, que ficaram curadas do VIH, embora “através de outras metodologias”. Também há casos em que foi possível, desde o início da infeção, controlar o vírus “sem medicação”.
Timothy Ray Brown, assim se chamava o paciente, foi a primeira pessoa que se sabe ter sido curada de VIH, depois de ter recebido um tipo único de transplante de medula. Morreu em 2020, na Califórnia, após uma reincidência do cancro que lhe fora diagnosticado em 2006.
O diretor executivo sublinha também que resultados como aqueles que foram obtidos no ensaio clínico “são muito difíceis de replicar” e testar num “grande número de pessoas”, logo não deve ser transmitida a ideia de que “estamos agora mais próximos de chegar a uma cura para as pessoas comuns que vivem com o VIH”.
A própria equipa médica, refere, “não conseguiu perceber que condições fizeram com que esta paciente tivesse resultados tão diferentes dos das outras pessoas que participaram no estudo”. “As conclusões a que chegou não podem ser transpostas para a prática clínica”, afirma.
Ricardo Fernandes considera, ainda assim, que estes resultados são uma “boa notícia”, porque “adicionam conhecimento” e permitem “conhecer cada vez melhor os processos relacionados com o vírus e as funções de determinadas células”. Destaca a descoberta de que as células NK e os linfócitos T CD8+ têm uma “grande preponderância” no controlo da infeção, “algo que não tinha sido visto noutras situações”.
PORTUGAL COM INCIDÊNCIA ACIMA DA MÉDIA EUROPEIA
Foi revelada pouca informação sobre a paciente em causa, cujo nome não foi divulgado por questões de privacidade. Sabe-se apenas que tem uma idade “avançada” e que apresenta um “bom estado de saúde”.
Cerca de 38 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com o vírus do VIH, segundo dados do programa das Nações Unidas para o VIH/sida (ONUSIDA). Em Portugal, a incidência foi de 7,6 casos por 100 mil habitantes em 2019, segundo os últimos dados divulgados pela Direção-Geral da Saúde. O valor está acima da média da União Europeia, que é de 4,9.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL