Ao fim de um ano, cerca de 74% das pessoas que estiveram infetadas com o vírus da covid-19 e internadas em unidades de cuidados intensivos apresentam sintomas como fraqueza, fadiga e outros problemas físicos. Mais de um quarto tem sintomas psicológicos (cerca de 26%) e 16% apresenta sintomas cognitivos. Os dados são de um estudo realizado nos Países Baixos, publicado recentemente na revista científica “Jama”.
Segundo André Pinto, infeciologista do Hospital de São João, no Porto, o estudo publicado é o “primeiro” de que tem conhecimento a reportar este tipo de sintomas após um ano de doença crítica, mas está em linha com outros estudos que foram publicados sobre os efeitos da infeção, avaliando a evolução dos doentes entre três a seis meses após o episódio de internamento em cuidados intensivos.
Também estão em linha com as avaliações que o próprio Hospital de São João tem feito sobre os efeitos da covid-19 a longo prazo nos doentes que tiveram formas mais graves da doença. “São compatíveis com o que observamos e medimos na nossa consulta de seguimento”, diz o infecciologista, acrescentando que os domínios mais afetados são o sono, as relações sociais, o bem-estar psicológico, a ansiedade e a função física.
É expectável que alguns destes sintomas “vão melhorando com o tempo”, esclarece André Pinto, explicando que quando se compara os resultados obtidos ao fim de três e seis meses, nota-se “uma ligeira melhoria, especialmente ao nível da ansiedade”. No entanto, “nesta fase ainda não é possível quantificar quanto é que vai permanecer”.
“Alguns doentes ainda têm dificuldades em sair de casa após um ano de infeção”
Um dos estudos realizados pelo hospital, focado nas sequelas pulmonares, concluiu que a maioria dos doentes apresenta alterações ao fim de três a seis meses após a infeção: 58% apresentam alterações específicas designadas “opacidades”, normalmente associadas a infeções e doenças pulmonares (40 pacientes) e 59% (55 pacientes) apresentam indícios de fibrose pulmonar, uma doença rara em que ocorre, de forma anómala, uma cicatrização do tecido pulmonar, e que pode aparecer na sequência de doenças pulmonares, afetando a respiração. Os resultados, a que os investigadores chegaram através da realização de tomografias computadorizadas — exames mais conhecidos por TAC — também mostram que, na maioria dos casos (77%), a função pulmonar se encontra intacta. Foram avaliados 100 pacientes no total, tendo o estudo sido publicado em outubro do ano passado numa revista científica.
“Após um ano de internamento, alguns doentes ainda têm problemas em sair de casa, trabalhar e ter uma vida funcional. Ou seja, têm sintomas compatíveis com stress pós-traumático crónico”
André Pinto, infeciologista no Hospital de São João, no Porto
Tais sequelas podem afetar a vida dos pacientes. Embora a “maioria consiga retomar o trabalho e ter uma vida funcional”, são seguidos no hospital, no Porto, “alguns doentes que, mesmo um ano após o internamento em cuidados intensivos, ainda têm problemas em sair de casa, trabalhar e ter uma vida funcional”. Ou seja, “têm sintomas compatíveis com síndrome de stress pós-traumático crónico”, sublinha André Pinto, esclarecendo que quando os médicos percebem que os sintomas persistem e têm “impacto na vida das pessoas”, estas são orientadas para consultas especializadas, como consultas de neurologia ou psiquiatria. “Há, claro, uma sobrecarga do SNS com estes doentes, mas temos de lhes tentar fornecer os mecanismos para recuperar a funcionalidade.”
Problemas físicos mais reportados nos Países Baixos são fraqueza e rigidez articular
Dos 245 pacientes que foram observados no âmbito do estudo realizado nos Países Baixos, 182 apresentaram sintomas físicos, o que corresponde a 74,3%. Destes, 56,1% afirmaram sentir fadiga e 6,1% afirmaram sentir-se frágeis. Os problemas físicos mais reportados foram fraqueza (38,9%), rigidez articular (26,3%), dores nas articulações (25,5%), fraqueza muscular (24,8%), mialgia (21,3%) e dispneia (20,8%), termo técnico para a sensação de falta de ar.
Os sintomas psicológicos foram reportados por 26,2% das pessoas que participaram no estudo, sendo os mais frequentes a depressão (18,3%) e a ansiedade (17,9%). Quase 10% dos pacientes afirmaram ter sintomas de stress pós-traumático. Outros estudos realizados ao fim de quatro e seis meses apontam para uma prevalência mais elevada destes sintomas psicológicos, o que indica que “há uma recuperação da saúde mental à medida que o tempo vai passando”.
Quanto aos sintomas cognitivos, foram reportados por 16,2% dos pacientes. Segundo o estudo em análise, que decorreu em onze hospitais nos Países Baixos, “muitos pacientes enfrentaram problemas decorrentes do episódio de doença grave”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL