O virologista João Vasconcelos Costa considerou hoje que os surtos de covid-19 nos lares são o “grande problema” neste momento, mas alertou que os idosos não podem ser “condenados a prisão perpétua” devido às medidas de contenção do vírus.
Em entrevista à agência Lusa, o investigador defendeu que tem de haver “medidas muito rigorosas” para impedir surtos nos lares, mas estas devem ser ponderadas com “as perturbações gravíssimas” na sua saúde física e psicológica.
João Vasconcelos Costa disse concordar com as declarações do primeiro-ministro, António Costa, de não se poder deixar que os idosos nos lares fiquem sem as visitas dos seus entes queridos, nem “separar as famílias no Natal” como aconteceu na Páscoa, mas questionou como se pode conjugar isso com a pandemia.
Conjugar a proteção dos idosos com o seu bem-estar “tem de ser uma das grandes prioridades do sistema de proteção epidemiológica neste momento”, porque, afirmou: “não podemos condenar os nossos velhos a prisão perpétua”.
O investigador lembrou que noutros países europeus a tendência geral é a da diminuição da frequência dos surtos nos lares, mas em Portugal não se verifica o mesmo.
“Infelizmente, temos assistido que continua a haver surtos nos lares. Isto é de facto um grande problema”, afirmou o ex-diretor do laboratório de virologia molecular do Instituto Gulbenkian de Ciência.
O investigador advertiu que “se houver, e está a haver, o recrudescimento do número de casos é claro que também aumenta o perigo da entrada de casos novos nos lares”.
Admitiu que “é um problema muito difícil”, que não sabe como pode ser resolvido, “mas um dos receios é que este recrudescimento possa ser acompanhado também com uma inversão da tendência que estava a haver para uma diminuição muito grande da letalidade e que venhamos a ter um aumento do número de casos de mortes com particular incidência nos lares”.
Sobre a situação epidemiológica da covid-19 no país, João Vasconcelos Costa disse esperar que não aconteça “o pior cenário”.
“O Plano Outono Inverno 2020/21 da Direção-Geral da Saúde parece ser muito bem elaborado e que terá grandes consequências, esperemos, no controle deste ressurgimento da pandemia”, salientou.
Como “maior preocupação”, destacou “a sobrecarga do Serviço Nacional de Saúde com todos os casos de morbilidade que há sempre no inverno, a associar aos casos de covid-19”.
“Também vai haver, é inevitável, alguma confusão” com os casos normais de doenças respiratórias e a covid-19, o que vai levar as pessoas a “recorrer muito aos serviços de saúde”.
No seu entender, a Linha SNS 24 tem de estar preparada para isso e tem de haver um reforço do atendimento e das equipas de vigilância da covid-19.
Neste momento, o que “mais interessa”, além das medidas de saúde pública, “é identificar imediatamente os casos, estabelecer muito bem a lista de contactos, testar esses contactos, o que não se está a fazer devidamente, isolá-los e com isso tentar quebras as cadeias de transmissão”.
“Esta operação no terreno é essencial e está na primeira linha de combate, mais do que as medidas gerais de confinamento que ninguém pretende neste momento”, salientou, considerando que “decisão de não testar obrigatoriamente os contactos foi exagerada”.
O virologista salientou que “as medidas estão tomadas, estão em equilíbrio, tanto quanto o Governo o pode fazer, com as necessidades sociais e económicas” e agora depende de cada um.
Na primeira fase da pandemia, as pessoas pensaram que tudo dependia das medidas e do Governo. “Neste momento, dependem fundamentalmente do cumprimento e do sentido cívico de cada um de acatar as recomendações” e saber aplicá-las.
“Temos de criar este espírito coletivo” e ser solidários, principalmente, com os idosos e com as crianças que “sofreram terrivelmente com isto” e “fazer todo o possível para que possam ter uma vida e um desenvolvimento psicológico saudável”.