A neoplasia da próstata é o tumor mais frequente no homem (Gardner, Livingston, Farser, 2014), apenas o cancro do pulmão tem uma taxa de mortalidade superior (Acta Urológica Portuguesa, 2014).
Em 1941, Huggins e Hoddges demonstraram que a diminuição de testosterona por castração causava uma regressão no cancro da próstata metastático e que a administração de testosterona exógena favorece o desenvolvimento do cancro (Hugging & Hodges, 1941).
Actualmente, o recurso ao bloqueio androgénico é um tratamento muito frequente no cancro da próstata, provocando a apoptose de células tumorais, o que leva a uma diminuição do volume tumoral e ao atraso da sua progressão (Sharifi, Gulley, Dahut, 2005).
No entanto, sendo a testosterona a principal hormona masculina, a sua privação provoca uma série de efeitos adversos, uns a curto prazo e outros a longo prazo (Acta Urológica Portuguesa, 2014).
A testosterona é uma hormona que interfere com a função sexual, a massa isenta de gordura, regulação dos lípidos, densidade óssea e com a função imunológica (Araújo & Wittert, 2011; Bagatell & Bremner, 1996).
Efeitos do tratamento com terapia de privação de androgénio
A terapia de privação de androgénio provoca uma redução da densidade mineral óssea, aumentando consequentemente o risco de osteoporose e de fractura (Greenspan, Coates, Sereika, et al, 2005; Grossmann, Hamilton, Gilfillan, et al, 2011; Taylor, Canfield, Du., 2009).
Após 3 a 12 meses do início dos tratamentos de privação de androgénio, a adiposidade aumenta entre 9 a 11% e a massa magra reduz 2% a 4% (Greenspan, Coates, Sereika, et al, 2005; Grossmann, Hamilton, Gilfillan, et al, 2011; Smith, 2004; Smith, Finkelstein, McGovern, et al, 2002; Smith, 2007; Galvão, Spry, Taaffe, et al., 2008; Smith, Lee, McGovern, et al., 2008).
Essa perda de massa muscular está associada a uma diminuição da força muscular, aumento do risco de quedas e do risco de fractura e na dificuldade de realização das actividades da vida diária (Chodzko-Zajko, Proctor, Fiatarone, Singh, et al, 2009; Bylow, Dale, Mustian, et al., 2008).
Todos estes factores estão relacionados com o aumento do risco cardiometabólico. Isto é particularmente preocupante, dado que, entre os homens com cancro da próstata, a doença cardiovascular é responsável por uma proporção de mortalidade similar ao próprio cancro da próstata. (Ketchandji, Kuo, Shahinian, et al., 2009; Lu-Yao G, Stukel TA, Yao SL., 2004; Riihima¨ki, Thomsen, Brand, et al., 2011).
A terapia de privação de androgénio (TPA), aumenta a rigidez arterial, a resistência periférica à insulina e a glicose plasmática circulante, insulina e lípidos (Galvão, Taaffe, Spry et al., 2009; Van Poppel, Tombal., 2011), o que resulta num elevado risco de desenvolver síndrome metabólica, diabetes tipo II e doenças cardiovasculares (Keating, O’Malley, Freedland, et al., 2010; Keating, O’Malley, Smith., 2006; Braga-Basaria, Dobs, Muller DC, et al., 2006).
É necessário que existam métodos de tratamento secundários que controlem os efeitos adversos da TPA, minimizando o seu impacto na qualidade de vida. O exercício físico foi proposto como uma estratégia para melhorar esses efeitos adversos (Galvão, Taaffe, Spry, et al., 2009).
O exercício pode aumentar a massa corporal magra, diminuir a gordura, pressão arterial, melhorar a sensibilidade à insulina e melhorar o controle glicémico e influenciar positivamente o bem-estar psicológico e a qualidade de vida. Melhora também a capacidade cardiorrespiratória e força muscular, que são fortes preditores da mortalidade por doenças cardiovasculares (Fogelholm., 2010; Ruiz, Sui, Lobelo, et al., 2008).
Os efeitos positivos do exercício físico adequado
Os resultados dos estudos que avaliam a influência do exercício físico nos efeitos adversos associados à TPA, indicam-nos que um programa de exercício físico:
– Pode atenuar a perda de densidade óssea induzida pela TPA. (Galvão, Nosaka, Taaffe, et al., 2008);
– Previne a perda e contribui para o aumento de massa magra (Hanson, Sheaff, Sood, et al., 2013); havendo um estudo que indica ganhos de massa magra entre os 1% aos 5%, em comparação ao grupo de controle, aquando da realização de um programa de exercício cardiovascular e de resistência muscular (Galvão, Taaffe, Spry, et al., 2010);
– Melhora a aptidão cardiorrespiratória (Hanson, Sheaff, Sood, et al., 2013; Galvão, Taaffe, Spry, et al., 2011);
– Aumenta a força muscular e a resistência muscular (Alberga, Segal, Reid, et al., 2012; Bourke, Doll., 2011);
– Reduz a pressão sistólica e a proteína C reativa, contribuindo também para atenuar a subida de triglicéridos induzida pela terapia de privação de androgénio (Galvão, Taaffe, Spry, et al., 2011);
– Os níveis de hemoglobina, geralmente descem durante a terapia de privação androgénica, no entanto, os estudos indicam que o exercício físico protege contra a anemia induzida pela terapia antiandrogénica (Galvão, Nosaka, Taaffe, et al., 2006);
– Reduz significativamente a fadiga induzida pela terapia de privação androgénica (Bourke & Doll., 2011; Culos-Reed, Robinson, Lau, et al., 2010);
– Melhora vários parâmetros associados à qualidade de vida, tanto específicos para o cancro da próstata como os de bem-estar (Bourke & Doll., 2011 Alberga; Segal, Reid, et al., 2012);
– Os estudos também indicam que o exercício físico não exerce efeito sobre o nível de antígeno prostático específico (PAS) – o marcador tumoral específico da próstata, ou seja, não contribui de forma nenhuma para a progressão da doença (Bourke & Doll., 201; Culos-Reed, Robinson, Lau, et al., 2010; Galvão, Taaffe, Spry, et al., 2011; Galvão, Nosaka, Taaffe, et al., 2006; Alberga; Segal, Reid, et al., 2012).
Concluindo, conseguimos então entender que o exercício físico actua positivamente nos diferentes efeitos adversos causados pela terapia de privação de androgénio.
As alterações benéficas, a nível cardiorrespiratório, provocadas pelo exercício, fazem-se acompanhar de melhorias a nível do desempenho de tarefas funcionais, o que é muito importante por contribuir para a independência desta população (Gardner, Livingston & Fraser, 2014).
O aumento da força e da performance no desempenho das tarefas funcionais, revelou também ser muito benéfico para prevenção de quedas e fracturas (Gardner, Livingston & Fraser, 2014).
Relativamente à tendência de ganhos de massa gorda, também induzidos por esta terapia, os estudos não são muito conclusivos relativamente aos ganhos de massa isenta de gordura nem à perda de massa gorda, o que se pode dever ao facto de não serem usados níveis de exercício físico suficientes para mitigar estes efeitos adversos induzidos pela terapia privativa. Por outro lado, sabemos que a dieta é a chave para a manutenção do peso e, como tal, a combinação do exercício com uma dieta adaptada será a melhor forma de manter um peso adequado (Gardner, Livingston & Fraser, 2014).
O importante é que perceba que realmente pode contribuir activamente para o seu tratamento e que pode controlar os efeitos secundários desta terapia, através de parâmetros associados ao seu estilo de vida.
Porque, na realidade, a sua parte ninguém poderá fazer por si.
(Artigo publicado no Caderno Semear Saúde)