Passa a ter lugar na primeira fila do plenário e assento na conferência de líderes, mas não lhe querem dar lugar na mesa da presidência e ninguém se quer sentar ao lado dos seus 12 deputados. O Chega cresceu e ganhou peso e espaço, mas os outros partidos estão desconfortáveis e a relação com o grupo liderado por André Ventura tem dominado o início do novo ciclo político.
Primeiro foi a questão do vice-presidente do Parlamento. Ventura indicou Diogo Pacheco de Amorim para o lugar a que considera ter direito. Perante o preanunciado chumbo, já admitiu apresentar outro nome numa segunda votação e até recorrer para o Tribunal Constitucional se não houver um vice-presidente da AR do Chega. A Constituição dá aos quatro maiores partidos o direito de indicar candidatos, mas não lhes garante o lugar, e a AR já funcionou três anos com menos um vice.
Depois, os lugares no plenário. A Iniciativa Liberal (IL) não quer ficar ao lado do Chega e já pediu para ir para o meio do plenário (ver infografia). Rui Rio veio dizer que não faz sentido e que a IL tem de ficar à direita do PSD.
Ainda falta a questão da presidência de comissões. O número de comissões só será definido depois de constituído o Governo, mas, a manterem-se as atuais 14, o Chega não terá direito a presidir a uma comissão permanente. Terá, contudo, direito a uma eventual, e nos bastidores socialistas já se prepara a estratégia para que seja uma comissão sem grande significado, para que depois não fique com a comissão para a revisão constitucional ou qualquer comissão de inquérito relevante para o Governo.
“Cordão sanitário” pela esquerda
No PS, aliás, a ordem é para criar um “cordão sanitário” a todos os níveis. Se já na legislatura anterior havia o pacto para não aprovar qualquer proposta de Ventura, na nova legislatura o objetivo é acentuar esse fosso entre os dois lados. Foi Costa quem deu o mote para a guerra ao usar o Chega como argumento na campanha eleitoral e a célebre frase “não passarão”. Apesar de os partidos à sua direita considerarem que é a esquerda que alimenta estes fenómenos, no PS lembram-se os diferentes estudos que têm sido feitos sobre a evolução dos partidos de extrema-direita na Europa, como no livro “Como Morrem as Democracias”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, em que se conclui que têm de ser os partidos democratas à direita a primeira barragem para estes casos. No caso português seria o PSD e o CDS primeiro, a IL depois.
Além disso, no PS defende-se que a forma como o Parlamento Europeu lida com o grupo europeu de extrema-direita, o Identidade e Democracia (ID), é a correta. “O que fazemos é aplicar o cordão sanitário em relação às suas posições. Têm o direito regimental a fazer propostas e a apresentá-las, mas votamos contra. É uma questão de posição política, uma maneira de dizer que a extrema-direita não passa”, explica ao Expresso o vice-presidente do grupo do S&D (Socialistas e Democratas) do Parlamento Europeu, Pedro Marques.
É uma estratégia, dizem os socialistas, que permite não dar vitórias àqueles partidos, tornando-os parte do sistema, normalizando-os e fazendo-os aceitáveis. Apesar da “vitimização” esperada, ela será sempre “circunstancial”.
Se há partido que o Chega tem escolhido como adversário é o BE. E para os bloquistas importa travar qualquer tentativa de bipolarização. “Não daremos centralidade política ao Chega”, adianta o líder parlamentar, Pedro Filipe Soares. Por um lado, o BE sabe que irá deparar-se com confrontos diretos: para esta sexta-feira, por exemplo, está marcada a sentença do julgamento que opõe Francisco Louçã ao vice-presidente do Chega, Pedro Frazão, por causa de alegações publicadas por este no Twitter. Mas, por outro lado, o BE “não conta que o Chega apresente qualquer solução para o país”, o que torna “errado dar o brinde da vitimização permanente, que é o que eles procuram”.
Ambiguidade à direita
À direita, sobretudo no PSD, as posições são menos claras. A relação “ambígua” de Rui Rio com o Chega, que começou no acordo feito nos Açores, tem sido apontada por muitos no partido como um dos motivos que levou à debandada de votos dos moderados para o PS. Não hostilizando o Chega, Rio procurava não hostilizar os eleitores daquele partido e com isso fazer-se valer do voto útil. A ideia era não fazer coligações de Governo com aquele partido, mas se o PSD precisasse do voto não o rejeitaria. Tal implicaria sempre uma negociação, mas Rio escusava-se a admiti-lo. Contudo, o acordo feito nos Açores falava por si.
Paulo Rangel, que defrontou Rio nas últimas diretas, distinguia-se dele também nisso: com ele na liderança, não haveria qualquer “negociação com o Chega”, dizia logo a abrir a discussão, demarcando-se do partido de André Ventura “por uma questão de valores”.
Já Luís Montenegro não fecha a porta. Nas diretas de 2020, que perdeu, defendia a tese de “não há acordo enquanto o Chega não se moderar”. Em plena campanha eleitoral, onde se juntou a Rui Rio, viria a defender uma posição semelhante à do líder do PSD: o que importa é o PSD ganhar as eleições, depois basta somar os seus votos aos de todos os partidos à sua direita, Chega incluído. “Todos eles têm de ter um princípio, que é não viabilizar Governos socialistas”, dizia. O que importava era haver uma maioria não socialista.
Jorge Moreira da Silva foi sempre o mais vocal na defesa de um cordão sanitário ao Chega e até pediu um congresso extraordinário depois do acordo nos Açores, enquanto Miguel Pinto Luz foi talvez o primeiro a defender que os votos do Chega deveriam ser somados aos do PSD, tal como o PS somou os seus aos do BE e do PCP. Do futuro do PSD dependerá haver quem se sente ou não com o partido que tem dominado as discussões neste início de ciclo político.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL