É uma das poucas propostas de alteração ao Orçamento do Estado que pode vir a ter custos. Já a madrugada começava quando o Livre viu aprovada a sua proposta de alargamento do subsídio de desemprego a situações em que as pessoas não sejam despedidas. São só três as situações em que tal pode acontecer – violência doméstica, mudança para o interior e programa de formação – e com um prazo limitado, mas é um ganho de causa para Rui Tavares que na campanha eleitoral tinha defendido esta ideia.
A proposta do Livre foi, como é natural, consensualizada como o PS, mas o acordo demorou e, por isso, a formulação final só foi entregue já fora do prazo. Ao chegar-se à votação na comissão de Orçamento e Finanças repetiu-se um debate que já tinha sido feito no primeiro dia de votações e também na manhã do segundo dia sobre a admissibilidade de propostas fora do prazo.
O PSD foi o primeiro partido que voltou a contestar a apresentação de propostas de alteração fora do prazo. “Não está em causa a matéria, mas o princípio”, começou por afirmar o deputado Duarte Pacheco. A proposta sobre o alargamento do subsídio de desemprego já tinha sido retirada do guião por conter “matéria nova”.
“Abriu-se a caixa de pandora”, atira Rui Afonso, do Chega. Pelo BE, Joana Mortágua volta a criticar a decisão da manhã de terça, em que Augusto Santos Silva aceitou uma alteração apresentada pelo PS relativa à capacidade de endividamento das autarquias, também considerada fora de prazo por todo a oposição, e fala num “precedente perigoso” ao abrir-se exceção para propostas que o Governo decide acolher.
“O que vale para o partido com mais deputados tem de valer para o partido com menos deputados”, vincou Rui Tavares. O presidente em exercício da Comissão de Orçamento e Finanças (COF), Hugo Carneiro, recusou aceitar o requerimento apresentado por Rui Tavares, mas depois de muita insistência e argumentação do socialista Miguel Cabrita o requerimento acabou aceite e a proposta aprovada. Ainda assim, Rui Tavares anunciou que vai forçar a proposta para votação também em plenário de forma a que não possa ser contestada a sua aprovação no futuro.
SUBSÍDIO DE CURTA DURAÇÃO E LICENÇAS PARA FORMAÇÃO
De acordo com a proposta do Livre, o acesso ao subsídio de desemprego é alargado às “vítimas de violência doméstica a quem seja atribuído o estatuto de vítima nos termos da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, mediante prova desse facto, a quem fica possibilitado o acesso ao subsídio de desemprego até ao prazo de seis meses”. É também alargado aos cônjuges ou unidos de facto quando um dos elementos do casal aceite um contrato de trabalho para fora da sua área de residência e o casal se mude para “territórios de baixa densidade”. O elemento do casal que se despeça para acompanhar a mudança de residência do que tem contrato de trabalho só pode aceder ao subsídio de desemprego pelo prazo máximo de três meses.
A terceira condição é uma espécie de licença para formação. E pode ser requerida por “trabalhadores que apresentem um projeto de reconversão profissional ou académica”. A proposta prevê um programa de licenças para formação que facilite a “elevação de qualificações e de requalificação das pessoas ao longo da vida”, em articulação “com a possibilidade de substituição dos trabalhadores em formação, dando cumprimento ao Acordo sobre Formação Profissional e Qualificação, ouvidos os parceiros sociais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social”..
Outro ganho de causa do Livre na noite de votações foi muito parcial e tem a ver com a chamada “semana de quatro dias”. O PS aprovou a proposta do Livre para a realização de um estudo para a implementação da semana de trabalho de quatro dias. O Governo já tinha dado sinais positivos no sentido da aprovação da mesma e o PAN votou também agora a favor.
Em causa está a criação de um programa com vista a “testar a semana de 30 horas de trabalho por semana em 4 dias, a implementar a partir de 2023 e ao longo de três anos”. O estudo terá como base uma amostra de até 100 empresas. O objetivo é avaliar ao longo de três anos o “impacto da redução do horário de trabalho, sem perda de rendimento”.
Recorde-se que a semana de quatro dias fazia também parte do programa eleitoral do PS, mas não com um redução efetiva das horas de trabalho. O primeiro-ministro chegou a defender a discussão deste assunto na concertação social, mas sobretudo como medida de autonomia da organização de trabalho, em que empresas e trabalhadores poderia organizar a semana laboral de forma a concentrar em quatro dias as horas semanais de trabalho.
Já a proposta do “Programa 3C” (Casa, Conforto e Clima), do Livre, foi também substituída com nova redação, ficando a sua votação adiada para amanhã. É uma das propostas que estava a ser ainda negociada entre Rui Tavares e o Governo, propondo agora o deputado do Livre que o programa abranja pelo menos as famílias de menores rendimentos, ao que apurou o Expresso.
PROPOSTAS QUASE SEM CUSTOS
A grande maioria das propostas de outros partidos votadas favoravelmente pelo PS têm poucos custos ou mesmo nenhuns. Estudos, relatórios, programas de divulgação, criação de comissões para avaliação, foram o tipo de medidas aprovadas pelos socialistas.
Do Livre, além do estudo sobre a semana de quatro dias foi também aprovado o estudo sobre o impacto da menstruação no trabalho e na qualidade de vida. Do PAN foram aprovados a realização de um relatório sobre a qualidade do alojamento no ensino superior e o reforço do policiamento junto das universidades. Foi também aprovado um projeto para prevenção da mutilação genital feminina.
O PSD-Madeira, que também tem vindo a negociar com o Governo e mantem em aberto a possibilidade de se abster, viu aprovada por unanimidade a sua proposta para que seja criada uma comissão técnica que defina “o modelo de imputação de receitas fiscais” desde 2014. Ou seja, uma reavaliação da distribuição pelas regiões autónomas dos impostos cobrados. Esse trabalho deve ser feito até ao fim deste ano.
O PS até aprovou propostas de partidos com os quais não tem estado a negociar. Mas, mais uma vez, tratou-se de medidas sem custos orçamentais. Foi o caso da proposta do PSD para que seja suspensa a fixação de contingente global de vistos para trabalhadores estrangeiros sempre que uma oferta de emprego não seja preenchida no prazo de 15 dias por trabalhadores nacionais ou que já tinham visto de residência. Uma medida para tentar resolver a falta de mão-de-obra que se sente em vários setores da economia.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL