Falou de sanções, medidas económicas, medidas fiscais, mas foi quando se referiu a países e pessoas que António Costa foi mais aplaudido esta tarde no Parlamento. Na última intervenção do debate de preparação do Conselho Europeu dos próximos dias 24 e 25, o primeiro-ministro colheu aplausos de vários deputados quando se dirigiu a André Ventura, do Chega, e depois a Paula Santos e Marina Silva, do PCP e dos Verdes, respetivamente.
Minutos antes, Ventura tinha dito que “não, estes refugiados [ucranianos] não são iguais a outros, que vêm de Marrocos, onde não há guerra nenhuma”, que “vêm do Afeganistão colocar as nossas mulheres de burka” ou que “vêm sacar subsídios”. Costa, o “otimista irritante” (como o definiu Marcelo), disse que, desta vez, não partilha “do otimismo” dos que veem um novo consenso na Europa sobre o acolhimento de refugiados. “Apesar de nem todos o dizerem como o senhor deputado André Ventura, com o maior dos desplantes”, há outros que não dizem, mas “pensam” o mesmo. A dignidade é para todos, “independentemente da origem”, afirmou, entre palmas.
O mesmo aconteceu no repique às posições de PCP e Verdes, que insistiram na tónica de que é a política “belicista” da NATO, defendida pelos líderes europeus, que faz escalar a guerra na Ucrânia. “Somos pela paz”, garantiu Paula Santos, a próxima líder da bancada comunista. “Senhoras deputadas, não sejamos ingénuos”, começou o primeiro–ministro. “Não estamos num conflito entre duas partes, estamos num país que estava em paz e que foi agredido, invadido, e vítima de uma guerra de forma criminosa. Queremos defender a paz, mas não se defende a paz com manifestações”, mas com medidas de dissuasão. “Não vamos participar na guerra, mas vamos participar na defesa da ameaça contra a guerra.” Muitas palmas outra vez.
DESCIDA DE IVA DOS COMBUSTÍVEIS É “A CHAVE”
O primeiro-ministro falou na sessão da Comissão Permanente que, entre outros pontos, incluiu o debate sobre o próximo Conselho Europeu. Depois de notar que o encontro em Bruxelas vai ser “bastante diversificado e intenso”, Costa centrou-se na resposta que será dada à crise desencadeada pela guerra na Ucrânia. E dividiu-a em quatro pontos essenciais.
O primeiro é reafirmar a “condenação absoluta da guerra ilegítima que a Rússia desencadeou” no leste europeu. E isso pode ter efeitos práticos, seja no “reforço das sanções” ao regime de Vladimir Putin, seja nas “medidas de apoio à Ucrânia”, com material humanitário ou outro. A propósito da questão humanitária, o chefe do Governo adiantou os números mais recentes: Portugal recebeu, até esta segunda-feira, 17.504 refugiados, 6200 dos quais menores de idade. E mostrou-se surpreendido pelo facto de 600 desses menores já estarem inscritos na escola, já que significa uma rápida tentativa de integração.
O segundo ponto levado por António Costa tem a ver com o reforço da “Europa da defesa”, pedindo “um instrumento claro de complementaridade entre a NATO e a União Europeia”. É nesse contexto que serão discutidas no Conselho Europeu “as políticas de segurança e defesa da União”. Daí, Costa partiu para o incontornável tema do aumento dos preços.
Para o primeiro-ministro, “esta crise evidenciou a urgência de acelerar a transição energética”, para que a Europa seja cada vez mais “dependente de si própria” em matéria energética, e não de importações. Por isso, os países europeus devem fazer um trabalho de médio prazo (reduzir a dependência e diversificar as fontes energéticas e as rotas de abastecimento) e outro de curto prazo: perante a escalada dos preços da energia, baixá-los.
“Há uma medida transversal [a todos os países], que é a redução do IVA sobre todos os produtos energéticos”, apontou Costa, pedido que, no caso português, já foi “formalmente feito à União Europeia”. Em segundo lugar, ainda nas medidas de curto prazo, “é necessária uma intervenção na formação do preço de mercado”. O objetivo, segundo Costa, passa não por fixar um preço de mercado, que podia pôr em risco o abastecimento de gás, mas “fixar um teto máximo para o preço de referência do gás, de forma a que possamos evitar contaminação do preço da eletricidade pelo crescimento não controlado do preço do gás”.
Sem surpresa, nas perguntas dos deputados que se seguiram à primeira intervenção, o tema dos preços dos combustíveis, do gás, da eletricidade, voltaram à baila. Sobre os combustíveis, Costa recusou que o Governo “tenha estado parado”, como acusaram alguns deputados, à espera da autorização formal da União Europeia para poder reduzir o IVA. “Congelou o aumento da taxa de carbono”, “introduziu a devolução em ISP do aumento da receita que o Estado está a obter por via do IVA”, exemplificou. E depois prometeu mais: a descida do IVA dos combustíveis.
“Como os senhores deputados deveriam saber, não nos basta a autorização da Comissão Europeia: é preciso uma Assembleia da República que esteja em pleno funcionamento, visto que [esta descida] é competência da AR.”
Para a próxima semana, já com o novo Parlamento em funções e com uma previsível resposta europeia, a descida pode avançar. Para Costa, aliás, mais do que o ISP, é o IVA que “produz efeito” e é “a chave” para esta crise de preços.
Uma descida que deve, no entanto, ser “temporária”, como fez questão de avisar o primeiro-ministro: “não deve haver dúvida de que não há margem para inverter a política energética”, isto é, acelerar o investimento nas energias renováveis, em detrimento das fósseis.
Costa tinha uma mensagem especial na despedida: agradeceu aos Verdes e ao CDS-PP, dirigindo-se especialmente ao deputado Telmo Correia, em representação dos democratas-cristãos, “um dos partidos fundadores da nossa democracia”. Na próxima semana, já nem um nem o outro estarão no Parlamento.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL