Entre as muitas leituras e conclusões que as eleições autárquicas permitem, deve destacar-se o facto de o Algarve ter apresentado um resultado superior à média nacional no respeitante ao número de mulheres que vão chefiar os respetivos municípios.
Das 308 câmaras do país, 29 foram ganhas por uma mulher, o que corresponde a aproximadamente 9% do total e menos do que as 32 autarcas eleitas em 2017, o que multiplica por 7,25 as quatro autarcas vencedoras em 1985, mas significa, também, a primeira inversão na tendência de alta iniciada precisamente há 36 anos.
Mas em contraciclo, das 16 câmaras do Algarve, quatro foram ganhas por uma mulher – 25% do total – contra três eleitas em 2017.
Sem prejuízo dos méritos políticos e pessoais que os seus eleitores lhes reconheceram, a sua participação vitoriosa num mundo maioriotariamente de homens na gestão da coisa pública, não deixa de constituir um sinal importante de que a sociedade começa a entender com outro olhar e estar mais atenta à tão falada igualdade de género. Também neste aspeto, as coisas estão a mudar.
Por esse facto, o jornal POSTAL decidiu fazer duas perguntas a cada uma dessas quatro mulheres eleitas para presidir aos destinos dos seus municípios, duas delas reeleitas com longa experiência acumulada, a cumprir o terceiro e último mandato.
RUTE SILVA (PS)
Presidente da Câmara Municipal de Vila do Bispo
Ganhou a câmara de um concelho com uma profunda marca na história da expansão marítima portuguesa. Sagres é o símbolo maior dessa epopeia. Qual é a grande prioridade estratégica na sua gestão para os próximos quatro anos?
O território de Sagres assumiu um papel de grande relevância nas epopeias além-mar, na exploração de continentes desconhecidos, na globalização e miscigenação de diferentes povos. Mas não só. Vila do Bispo revela-se como um autêntico museu da paisagem, reservando um incomparável acervo patrimonial que temos vindo a investigar, conservar, valorizar e partilhar, de forma sustentável. Mais do que um investimento estratégico, trata-se de uma responsabilidade cívica, transmitir este legado patrimonial às gerações futuras.
Assumimos como prioridade para os próximos anos a execução do Plano Estratégico de Habitação, a construção de casas acessíveis, o reforço das rendas apoiadas, a aquisição de novos terrenos para habitação, entre outras medidas que visam mitigar as dificuldades no acesso à estabilidade de um lar e a fixação de população, com especial atenção aos jovens.
Na sua relação com os seus colegas autarcas do concelho e da região, alguma vez sentiu que a sua condição de mulher representou um fator discriminatório e penalizador na sua ação política?
Sim, sobretudo localmente. Ainda se sente alguma resistência em admitir mulheres em cargos de comando e decisão, realidade transversal em diversos patamares da sociedade portuguesa, quer a nível familiar, profissional ou político.
A nossa democracia é jovem e a sociedade ainda se encontra condicionada por uma cultura particularmente conservadora.
Enquanto primeira mulher eleita como presidente da Câmara Municipal de Vila do Bispo, tudo farei para que a nossa sociedade se torne cada vez mais igualitária, justa e democrática.
ISILDA GOMES (PS)
Presidente da Câmara Municipal de Portimão
O que falta ainda fazer em termos de pensamento estratégico que não tenha conseguido neste tempo de 8 anos como presidente da Câmara de Portimão?
Estes 8 anos foram muito difíceis. Os primeiros 4 anos foram dedicados quase exclusivamente a resolver o problema económico e financeiro da autarquia.
No segundo mandato demos início à elaboração de projetos de obras há muito desejadas para Portimão, e aí fomos surpreendidos pela pandemia, que travou completamente a nossa estratégia.
Este mandato tem que ser o da concretização. Desde o espaço público, a mobilidade, a habitação, a cultura, e muito importante a retoma da economia, no período pós-covid, sem esquecer os problemas sociais.
Há muito para cumprir o que prometi aos Portimonenses.
Na sua relação com os seus colegas autarcas do concelho e da região, alguma vez sentiu que a sua condição de mulher representou um fator discriminatório e penalizador na sua ação política?
Não nego que no início da minha vida política, as mulheres tinham poucas possibilidades e não era fácil o acesso da mulher a alguns patamares da política. Já lá vão uns anos!!!
Como presidente de câmara, tenho sempre tido por parte dos colegas, o maior respeito e consideração.
Devo dizer que neste momento, mulheres e homens lutam de igual para igual, salvo raríssimas exeções.
As mentalidades mudaram para bem melhor, em benefício da nossa democracia.
ROSA PALMA (PCP-PEV)
Presidente da Câmara Municipal de Silves
Silves foi nos seus tempos áureos a grande e opulenta capital do reino do Garb do Andaluz. O assoreamento do Arade foi-lhe retirando poder e importância. O que falta para que a sua cidade recupere, se não o papel histórico, político e económico que teve no passado, pelo menos consiga afirmar-se como um centro cultural de referência no barlavento algarvio e no Algarve?
É nossa firme intenção prosseguir com o desenvolvimento socioeconómico do concelho de Silves, cumprindo de forma cada vez mais eficiente, inovadora e arrojada, com as competências próprias do município, não deixando ao mesmo tempo, de exigir da Administração Central que cumpra com as suas obrigações, alocando recursos e promovendo o investimento público, na perspetiva da valorização do interior e da diminuição das assimetrias intra e interregionais. A concretização do projeto de desassoreamento do Rio Arade, da responsabilidade da Administração Central, persiste como a maior ambição dos silvenses, que permanece, eternamente, adiada. A progressiva conservação e valorização do riquíssimo património histórico-cultural e a intensa programação cultural, sobretudo, na cidade, mas não só, é uma aposta do Município de Silves.
A cidade já é hoje um dos locais mais visitados do Algarve, graças, precisamente, às suas referências patrimoniais e à beleza da sua silhueta, edifícios e arruamentos. A intervenção autárquica no interior e litoral do concelho, promovendo investimentos públicos avultados e estruturantes, visa o reforço da sua competitividade e o desenvolvimento integrado, desencadeando um efeito atrativo e mobilizador junto dos investidores privados.
Na sua relação com os seus colegas autarcas do concelho e da região, alguma vez sentiu que a sua condição de mulher representou um fator discriminatório e penalizador na sua ação política?
Se aconteceu não me apercebi.
ANA PAULA MARTINS (PS)
Presidente da Câmara Municipal de Tavira
Recebeu a câmara a meio do mandato de Jorge Botelho; foi a votos e ganhou numa disputa com adversários difíceis. Sendo conhecida por ter uma gestão cuidadosa e de contas certas, que obra precisa a cidade e que gostaria de realizar neste seu mandato sem olhar muito à contabilidade do ‘deve e haver’?
As contas certas são um meio necessário para cumprir metas e concretizar projetos, ao mesmo tempo que se apoia socialmente quem mais necessita.
A principal prioridade dos próximos 4 anos será ajudar a resolver o problema da habitação, concretizando a Estratégia Local de Habitação aprovada, que prevê a construção de mais de 200 fogos de habitação de renda apoiada e de custos controlados, bem como reabilitar o parque habitacional municipal existente. É essencial o alargamento das instalações, horários e valências no Centro de Saúde de Tavira. Também a construção de um novo Complexo Municipal da Proteção Civil, a criação no Centro de Experimentação Agrária de Tavira de um Centro Competências da Dieta Mediterrânica e a reabilitação do nosso património histórico, com a construção do Núcleo Fenício são prioritários.
Haverá a requalificação e criação de melhores acessibilidades ao longo do rio e o Parque Verde do Séqua terá um espaço de lazer para as famílias.
Na sua relação com os seus colegas autarcas, alguma vez sentiu que a sua condição de mulher representou um fator discriminatório e penalizador na sua ação política?
Entre autarcas e não autarcas, sempre senti que tinham respeito por mim e nunca me senti discriminada por ser mulher. No entanto, tenho consciência que muitas vezes as mulheres têm de trabalhar mais para provar que são competentes, sobretudo quando ocupam cargos de direção.