Inês Sousa Real e João Cotrim Figueiredo quase empataram, mas em alta, anotam os cinco comentadores do primeiro debate desta noite de sexta-feira. Veja as notas e os comentários
Henrique Monteiro
Inês Sousa Real – 6 João Cotrim Figueiredo – 7
A primeira nota é para o cuidado de todos os contendores levarem gráficos, ou no caso do líder do Chega, fotocópias de jornais (não sei bem de quais, porque nunca se vê). Como a discussão entre o PAN e a IL começou pela economia verde – se essa opção empobrece, ou não, a sociedade – verificou-se que cada um tinha, além da retórica contrastante, um gráfico que sustentava o que estava a dizer.
De qualquer modo, o facto de se discutir algo com pés e cabeça, e de facto importante para o futuro do mundo e do país, foi positivo. Apenas foi pena que não se passasse da generalidade. O PAN que quer reduzir as emissões (e acusa a IL de não querer) apoiou a intervenção na TAP – a grande poluidora; já a IL defende que um certo extremismo na defesa da economia verde conduz à pobreza, é contra a salvação da TAP, permitindo milhares de desempregados. Enfim, por aqui se vê que nem tudo o que se diz em política tem as consequências que seriam previsíveis.
Inês quer a ferrovia por todo o lado, em todas as capitais de distrito. Subitamente, Cotrim concordou, mas o que poderia ter sido o começo de uma bela amizade, estragou-se com o debate do SNS. Continuando a falar de coisas que, de facto, interessam, os dois partidos, dos mais pequenos do espetro partidário, não se entendem sobre a participação dos privados. Já se tinha notado nas questões do ambiente e na criação de empregos (públicos ou privados) da economia verde. E assim Inês voltou à cartilha e acusou a IL de querer tornar o SNS privado, coisa que o líder da Iniciativa Liberal não tinha dito. Afirma Inês que as parcerias com privados costumam correr mal (não sei em que se baseia para dizer isso, mas disse). Cotrim tentou dizer que não queria privatizar nada. Mas Inês não aceitou a explicação.
Seja como for foi um debate mais elevado do que o costume, em que os encontros foram tantos como os desencontros. Infelizmente, a vertente proibicionista do PAN foi só levemente abordada, quando Cotrim referiu que o último programa daquele partido tem 38 proibições sobre tudo e mais alguma coisa.
A discussão terminou com o salário mínimo nacional; e aí não houve consenso que resistisse.
Luís Aguiar-Conraria
Cotrim Figueiredo 8 – Sousa Real 8
Os dois partidos que se dizem não ser nem de esquerda nem de direta debateram hoje. É possível dois líderes de partidos bastante dogmáticos, e partindo de pressupostos bem diferentes, conversarem de forma construtiva? Cotrim Figueiredo e Inês Sousa Real mostraram que sim. Ambos merecem uma nota elevada pela elevação do debate.
Inês Sousa Real explicou bem como se deve usar a fiscalidade para promover uma economia verde. Em especial, deixou claro que não faz sentido subsidiar indústrias e atividades poluentes. Cotrim Figueiredo não se demarcou desta posição — e, como liberal, até concordará com ela —, mas insistiu na necessidade de se apostar no crescimento económico. Ambos gostam de comboios e ambos estiveram bem, se bem que Cotrim Figueiredo tenha de ter cuidado para não o acusarem de ser negacionista das alterações climáticas.
O maior ponto de divergência terá sido a discussão sobre o SNS, onde Inês Sousa Real se posicionou claramente à esquerda, apesar de aceitar PPPs no sector. Cotrim Figueiredo continua a pugnar por uma alteração radical do sistema. Eu tenho mais tendência a concordar com Inês Sousa Real, mas não sei dizer quem esteve melhor.
A fechar o debate, houve dois assuntos introduzidos um pouco à força, mas que são interessantes. Inês Sousa Real questionou com assertividade a ideia da IL de acabar com o Salário Mínimo Nacional, dizendo, com razão, que num país onde tantos trabalhadores são pobres, não podíamos prescindir desse instrumento de proteção do trabalho.
Cotrim Figueiredo terminou o debate com piada ao dizer que estaria disponível para fazer parte de uma coligação com o PAN desde que este prescindisse de algumas bizarrias. Como exemplo deu a proposta do PAN de ter câmaras de filmar nos barcos de pesca sempre ligados, naquilo a que chamou Big Brother Carapau. E, de facto, é uma proposta que parece um pouco bizarra.
Se calhar é isto que esperamos de uma coligação: que cada partido lime as propostas mais bizarras dos outros, como câmaras de filmar para proteger carapaus ou acabar com o Salário Mínimo Nacional.
Filipe Garcia
Inês Sousa Real 6 – João Cotrim Figueiredo 6
Colocam-se acima da velha discussão entre esquerda e direita, recusam a existência de linhas vermelhas entre si e ambos se dizem prontos para alinhar com quem tomar as suas propostas como boas, no caso o PSD. Talvez por isso, o debate nem tenha chegado a aquecer. No entanto, entre Inês Sousa Real e João Cotrim de Figueiredo o diabo foi-se mostrando, nos detalhes como é hábito. Cotrim recusa a ideia de ser negacionista quanto à emergência climática, mas lá vai dizendo que o meio ambiente não pode forçar um abrandamento económico. Inês Sousa Real recusa que a economia verde seja baseada no estado, mas é ao governo que aponta responsabilidades, por exemplo, no fecho da refinaria da Galp em Matosinhos. Ambos se dizem defensores do SNS, mas Cotrim aposta num sistema misto, Sousa Real quer reforço do investimento do estado. Sobre política fiscal é um mundo que os separa ou, na prática, 8 escalões de IRS – PAN quer 9, IL um único. Para o dia em que apresentarem o programa de governo, ambos prometem uma aposta forte na ferrovia, mas já podemos antever diferenças radicais nos detalhes. Um exemplo? O PAN propõe videovigilância nos barcos de pesca enquanto estiverem na faina, uma medida de “preservação de espécies”, para Sousa Real. “Uma boa ideia para um reality show, o big brother do carapau”, nas palavras de Cotrim. Alinhados, dispostos a negociar com todos menos com o Chega, mas separados por demasiados detalhes. Na prática, ou na especialidade, pode ser o diabo.
João Silvestre
Inês Sousa Real 6 – João Cotrim Figueiredo 6
Debate equilibrado onde as divergências claras surgiram apenas em temas como os impactos da transição climática no crescimento económico, o SNS ou as proibições do programa do PAN. Inês Sousa Real continua a recusar definir-se como esquerda ou direita e a insistir muito no seu tema preferido – o ambiente. Cotrim Figueiredo voltou a insistir na necessidade de crescimento económico e foi claro na sua visão mais liberal para a saúde, curiosamente com algumas semelhanças ao programa do PSD apresentado pouco antes. Apesar de alguma convergência, falaram ambos para os seus eleitorados e não houve nenhum com ascendente claro na discussão.
David Dinis
Inês Sousa Real 7 – João Cotrim Figueiredo 7
Ora que os pequenos se fizeram grandes: Inês Sousa Real e João Cotrim Figueiredo entraram num debate construtivo sobre várias políticas públicas, já com uma razoável densidade programática e com declarada abertura para aproximações – ainda que com pressupostos diferentes e, aqui e ali, com alguns preconceitos sobre a posição do outro, ou mesmo contradições intrínsecas (mas não vem dali mal ao mundo). Pessoalmente, sou mais próximo do PAN na certeza de que existe uma “emergência ambiental” e mais próximo da IL na convicção de que a Saúde deve aprofundar um sistema misto. Mas valorizo mais isto: um e outro provaram ser partidos necessários no nosso Parlamento. E ainda nos fazem sorrir. Sejam bem-vindos.