[Excluir Algarve da lista verde] Decisão do Governo britânico foi uma medida excessiva e injusta (…) Nesta matéria, a diplomacia portuguesa falhou em toda a linha
P – O Bloco vai concorrer a todos os órgãos autárquicos do Algarve? Quais os objetivos eleitorais?
R – Nas próximas eleições autárquicas, o Bloco de Esquerda vai concorrer a cerca de uma dúzia de municípios no Algarve, tal como ocorreu nas autárquicas anteriores. Existem dificuldades em alguns municípios do interior, onde o Bloco tem uma organização mais débil. Os objetivos do Bloco são claros: reforçar significativamente a sua votação, aumentar o número de autarcas eleitos na região, e contribuir para o enfraquecimento e a derrota dos partidos de direita e da extrema-direita liberal, populista e racista.
O Bloco apresenta-se como a alternativa popular e socialista de esquerda e nada está excluído, como retirar a maioria absoluta a quem está no poder e, inclusivamente, a conquista de algumas autarquias no Algarve. Mas o grande objetivo será, sem dúvida, a continuação e melhoria do trabalho desenvolvido ao lado das populações, indo de encontro aos seus anseios e reivindicações, com a apresentação de propostas para a resolução dos seus problemas.
P – Como avalia a política de descentralização de competências do Governo para os municípios? Bastante ou insuficiente?
R – Para o Bloco de Esquerda, a transferência de competências para os municípios não pode agravar as desigualdades territoriais e, devia apenas ocorrer, nas áreas em que os municípios estivessem em melhores condições de assegurar o respetivo exercício. Não é admissível a desresponsabilização do Estado central nas funções sociais de âmbito universal como a Educação, Saúde e Cultura, entre outras. A descentralização de competências está prevista na Constituição da República, mas o que teve lugar foi uma municipalização de competências e sem os devidos pacotes financeiros. Um dos objetivos centrais foi o de bloquear e afastar para as calendas a Regionalização.
Resultou de uma negociata apenas entre o Governo PS e o PSD e, a sua aprovação pela Assembleia da República, teve a discordância de todas as outras forças políticas.
P – A decisão do Governo britânico de excluir Portugal da lista verde para os voos turísticos, penaliza o país e, sobretudo, o Algarve. Acha que por detrás da decisão do Governo inglês há uma motivação política e comercial?
R – É difícil aferir se a decisão do Governo britânico teve por base motivos políticos e comerciais. No entanto, penso que foi uma medida excessiva e injusta e que não teve em conta a evolução da situação pandémica do nosso país. O Algarve, como vive quase exclusivamente do turismo e muito dependente dos turistas britânicos acaba por ser das regiões mais prejudicadas do país.
P – A decisão exigia uma tomada de posição mais firme da parte do Governo e da Europa?
R – O Governo português tem pouco peso nas instituições europeias e mesmo detendo a presidência do Conselho da União Europeia de nada serviu. Na matéria em causa a diplomacia portuguesa falhou em toda a linha. Mas a UE também não fica isenta de culpas quando se recusa a levantar a proteção das patentes das vacinas, atrasando assim a produção de vacinas em massa por vários países e, consequentemente, atrasos na administração da vacinação, incluindo em Portugal.
Eleição para a CCDR´s foi uma negociata entre o PS e o PSD e mais uma machadada na regionalização
P – O BE defendeu recentemente a declaração de estado de calamidade para o Algarve. Perante o atual contexto, mantém?
R – Faz todo o sentido declarar o Algarve como uma região de catástrofe social e económica, como o Bloco solicitou ao Governo há uns tempos atrás, o qual mostrou-se insensível a esta grave realidade. A crise ainda não bateu no fundo e os apoios para as famílias e empresas têm sido muito insuficientes. De todas as regiões do país, o Algarve surge como a mais vulnerável e se não forem tomadas medidas extraordinárias a curto e médio prazos os impactos da crise irão revelar-se catastróficos. A vulnerabilidade do Algarve prende-se com o modelo económico que tem imperado nas últimas décadas, assente quase exclusivamente na atividade turística.
No Algarve o desemprego já atinge mais de 35 mil pessoas, regressaram os salários em atraso, há milhares de micro e pequenas empresas que ficaram de fora dos apoios, ou foram objeto de apoios muito insuficientes e que, se não tiverem apoios extraordinários a curto prazo, pura e simplesmente irão à falência, lançando para o desemprego mais alguns milhares de pessoas.
P – Faz sentido que um ano depois o Algarve continue sem um plano de emergência social? Acha que o Governo tem margem de manobra do ponto de vista orçamental para responder às fragilidades das empresas e do desemprego existente?
R – O Algarve foi a única região do país que viu aprovado na Assembleia da República, há um ano atrás, um Plano de Emergência Social e Económico, por iniciativa do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda. É um Plano contendo um leque variado de medidas imediatas e de índole estrutural e que mereceu um vasto consenso parlamentar. Inclusivamente, foi publicada uma Resolução da Assembleia da República em junho do ano passado.
O Governo tarda em concretizar grande parte das medidas aprovadas na Assembleia da República. Anunciou em julho do ano passado um plano específico para o Algarve, mas até aos dias de hoje esqueceu-se do que tinha anunciado e o Plano de Recuperação e Resiliência não vai dar para tudo.
É preciso ter presente que os apoios do Governo para combater a crise que grassa no Algarve e no resto do país situam-se muito aquém do que as finanças permitem. Torna-se incompreensível que tenham sobrado 6 mil milhões de euros de despesa no Orçamento de 2020, o que daria para muito atenuar a crise económica e social e priorizar o investimento público.
P – No que respeita aos investimentos do Estado na região, o Algarve tem recebido os apoios correspondentes ao peso que representa do ponto de vista da sua economia?
R – O Algarve tem ficado praticamente esquecido pelos sucessivos Governos ao longo dos últimos anos em termos de investimento público e o atual Governo do PS não foge à regra. Tarda a modernização da ferrovia regional, a total requalificação da EN125 entre Olhão e Vila Real de Santo António, a construção do Hospital Central e a concretização do plano de dragagens, entre outros exemplos.
Redução de 50 por cento das portagens a partir de 1 de julho não deixa de ser positivo, mas o Bloco defende a abolição total
P – O modelo de desenvolvimento económico na região assenta na atividade turística. Há turismo a mais ou outros setores a menos? Que saída?
R – O modelo de desenvolvimento económico que tem imperado no Algarve ao longo das últimas décadas, da responsabilidade, em particular do PS e do PSD, foi muito negativo por assentar na monocultura do turismo. Este tipo de turismo, baseado no sol e mar, capturou a maioria dos investimentos na região, acabando por impulsionar a construção e o imobiliário (com elevados índices de especulação). Todavia, condicionou a diversificação económica e a inovação, conduzindo a enormes restrições nas outras atividades, com particular incidência na agricultura e nas pescas. Por outro lado, conduziu a uma forte concentração do emprego nesta área, assente na sazonalidade, numa crescente precariedade, numa política de baixos salários e em ritmos de trabalho infernais.
Importa, a partir de agora, e aprendendo com os erros, apostar na diversificação do tecido económico regional tornando o Algarve mais forte e resiliente face a novas crises no futuro.
P – O Bloco teve sempre uma participação muito ativa na contestação e defesa do fim das portagens na Via do Infante. O PS anunciou recentemente que é possível avançar para uma redução de 50 a 75 por cento nas portagens. Do seu ponto de vista é uma solução de compromisso aceitável ou não há meios termos?
R – Para além das muitas lutas de rua e outras ações contra as portagens na Via do Infante, o Bloco de Esquerda apresentou na Assembleia da República, desde 2015 (para não ir mais longe) 14 projetos para acabar com as erradas e injustas portagens, projetos chumbados por PS, PSD e CDS, exceto o último em 2020, que foi aprovado. Mas, lamentavelmente, o Governo agora não quer cumprir o que foi aprovado no Parlamento. O PS não cumpre as promessas que fez ao Algarve e às suas populações. Foi a oposição, onde se inclui o Bloco, que fez aprovar no Parlamento uma redução das portagens de 50% a partir do próximo dia 1 de julho, o que não deixa de ser positivo. Mas a luta do Bloco continuará até à abolição total das portagens no Algarve.
P – Outras questões que o BE tem denunciado são os atrasos nas obras de reabilitação da EN 125 e o Hospital Central. O líder do PS regional disse ao POSTAL que em ambos os casos haverá uma resposta para breve. Mais vale tarde do que nunca?
R – É deveras vergonhoso o facto da EN125 ainda não se encontrar totalmente requalificada, faltando os troços situados entre Olhão e Vila Real de Santo António. Temos cidadãos de primeira e de segunda no Algarve, o que não é aceitável, o que se deve às inúmeras trapalhadas entre PS e PSD. O Plano de Emergência apresentado pelo Bloco e aprovado na Assembleia da República contempla o resgate da concessão e a requalificação da EN125 entre Olhão e Vila Real de Santo António, cabendo ao Governo concretizar o que foi aprovado.
O mesmo Plano aprovado também contempla o início da construção do futuro Hospital Central. Se o líder do PS regional disse que haverá uma resposta para breve em ambos os casos, então em boa hora o Bloco de Esquerda apresentou tais propostas, cabendo agora ao Governo cumprir o que foi aprovado na Assembleia da República.
BE não abdica da regionalização
P – O primeiro-ministro, António Costa afirmou-se disponível para viabilizar a regionalização até 2024. Acha que é possível ou trata-se de um processo que as eleições para as CCDR’s atirou para as calendas gregas?
R – A trapalhada que conduziu à eleição para as CCDR’s tem a ver com o tal negócio entre PS e PSD. Foi mais uma machadada na criação das Regiões Administrativas. O Bloco de Esquerda não abdica de continuar a luta pela implementação da Regionalização e, em particular, da criação da Região Administrativa do Algarve. Vamos ver se António Costa cumpre esta promessa até 2024, pois um dos seus pontos fracos é precisamente o não cumprimento das promessas que faz. Cá estaremos para ver e lutar.