As instituições de ensino superior (IES) desde a sua génese, mas de uma forma cada vez mais democratizada desde abril de 1974, têm desempenhado um papel fundamental para o desenvolvimento da sociedade portuguesa, este assente em dois grandes pilares: a investigação e a educação.
Primeiramente, a produção de conhecimento científico, pela investigação aplicada, deve objetivar a criação de novas reformas tecnológicas, económicas e sociais, participando ativamente na elaboração de respostas funcionais aos emergentes problemas da sociedade.
A componente pedagógica no ensino superior não deve ser negligenciada pois, além da produção científica, as instituições de ensino superior têm um papel fundamental na transmissão desse mesmo conhecimento e no desenvolvimento e formação societal
Por outra lado, a educação, moralmente estando ao serviço de valores humanos com vista ao desenvolvimento global da população, torna esta cada vez mais instruída e capacitada de meios que permitem o envolvimento social, a discussão e resolução de problemas do seu meio e, deste modo, a politização, no sentido mais genuíno possível, do ser. Detém um valor instrínseco pela expansão do conhecimento e ascenção pessoal e um valor extrínseco pela formação mais especializada, promotora do desempenho de novas profissões económicosocialmente positivas, ampliando as demais habilidades cognitivas superiores e, desta forma, contribuíndo para melhores condições de vida.
Contudo, esta última componente, a educativa e pedagógica, tem sido cada vez mais sistematicamente negligenciada. Quer pela baixa contratação de doutorados quer pela pouca atratividade dada à educação na progressão de carreira docente, as medidas são escassas e as que existem não são sustentáveis.
Os docentes do ensino superior são dos poucos – se não forem os únicos funcionários públicos cuja totalidade do seu vencimento não advém singularmente do Estado, sendo também complementado pelo financiamento das próprias instituições de ensino superior. Como é possível imaginar, deste modo, a contratação de mais doutorados repercurtir-se-á fortemente no orçamento próprio das universidades. Estas, embora não devam ser comercializadas, mas tendo também despesas para liquidar, apenas podem incrementar o valor das propinas, dos emolumentos e doutros serviços que, ultimamente, serão mais um entrave no acesso à educação pela população.
A contratação anual de docentes para as universidades não tem sustentado o número que José Moreira, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNEsup), apresenta como estimação dos docentes que atingem a idade da reforma todos os anos, estando esse valor entre os 500 e os 600 professores universitários. Aliás, em algumas universidades e respetivas unidades orgânicas, tendo como exemplo a Escola Superior de Saúde da Universidade do Algarve, existem alunos com aulas práticas de algumas unidades curriculares ao sábado, pois os seus docentes responsáveis, sendo residentes e profissionais em cidades como Lisboa, apenas se conseguem deslocar para onde lecionam num horário não respeitante dos dias úteis, isto é, de segunda a sexta-feira. Como podemos querer promover o rendimento académico e a saúde mental dos estudantes e ao mesmo tempo retirar um dia de descanso letivo? Ainda mais, sendo esta uma universidade incrementalmente frequentada por estudantes deslocados e numa das extremidade do país, é sequer moral dificultar as idas à cidade originária durante o semestre letivo devido à incapacidade de contratar um novo docente com uma disponibilidade justa para os estudantes? A aprendizagem dos anteriores não é certamente assegurada por condições como esta.
Doutro lado, não existe (quase) qualquer ponderação das competências educativas e consequente qualidade pedagógica na ascensão e progressão de carreira de um docente do ensino superior. O movimento “Publish or Perish”, embora sendo um conceito originário norte-americano, está fortemente presente em Portugal desde aproximadamente quando o Regulamento Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) entrou em vigor, retratando bem este acontecimento: o excessivo enfoque investigacional – este quantitativo, e não qualitativo – como principal critério para o sucesso académico de um docente no ensino superior pauta-se, muitas vezes, por um declínio na qualidade da investigação realizada e numa pressão exacerbada sobre os académicos. Fomentando e recompensando apenas a componente científica, e não a pedagógica, estabelecem-se problemas na compatibilização da investigação com a docência, criando uma competição injusta sobre estas duas componentes – de um total de cinco – que compõem a atividade profissional de um docente, em que apenas uma é meritória a nível académico e, consequentemente, a nível salarial. Contudo, o que seria possível obter com uma avaliação qualitativa, ponderada através de resultados académicos dos estudantes, análise de inquéritos pedagógicos e notas sobre resolvimentos de situações pedagogicamente atípicas e invulgares? Creio eu, uma observação mais detalhada e multifacetada sobre aquilo que é a ascenção e progressão de carreira de um professor universitário. E acredito também que resultaria numa valorização acrescida da docência, pois esta seria positiva e justamente recompensada.
A contratação de mais docentes permite também um acompanhamento proximal da aprendizagem de um estudante, reproduzindo-se em avaliações mais representativas daquela que é a aquisição de conhecimentos por parte dos alunos. Também o contacto e ligação de um estudante com o seu professor e, ultimamente, respetiva faculdade, são fatores afetivos promotores de um sentido de segurança, motivação e empenho académico.
Apesar disso, tão ou mais urgente quanto a contratação de mais docentes para o ensino superior, é necessário criar condições de estabilidade para os atuais. Segundo José Moreira, existem falsos professores convidados, cujos contratos a termo são renovados incessantemente. Esta classe compõe 42% dos docentes do ensino superior, um número que ultrapassa os aproximadamente 33% (um terço) estipulados pelos termos do Estatuto da Carreira de Docente Universitário (ECDU). Além disso, estes profissionais, nestas condições laborais, podem até lecionar mais horas semanais que os professores sem termo. Isto, com as demais atividades académicas acrescentadas que cumprem, pois estes professores, apesar de estarem a termo certo, muitas das vezes não exercem qualquer outra atividade profissional.
Uma questão surge-me após a elaboração destes problemas existentes nas IES portuguesas: podem estas circunstâncias estudantis e laborais ser benéficas para a aprendizagem dos estudantes universitários? As universidades e o Estado não devem esquecer que o ensino é um segmento importante, quer para a economia social quer para outras dimensões sociais e culturais. A componente pedagógica no ensino superior não deve ser negligenciada pois, além da produção científica, as instituições de ensino superior têm um papel fundamental na transmissão desse mesmo conhecimento e no desenvolvimento e formação societal. Apenas com tudo isto (e, certamente, um pouco mais) será possível assegurar condições frutíferas para o prolongamento do conhecimento e para um bom percurso académico, a todos os níveis, por parte dos estudantes portugueses.
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