O anúncio do PSD de admitir a redução do IVA das touradas para a taxa mínima, no Orçamento do Estado de 2025, é um tema que levanta questões, não apenas económicas, mas também éticas e sociais. A tourada, uma prática considerada um símbolo da cultura portuguesa por alguns, tem sido, ao longo dos anos, alvo de crescente contestação por parte da sociedade civil e das organizações de defesa dos direitos dos animais. O que está em jogo, neste momento, não é apenas uma decisão fiscal, mas também uma escolha sobre o tipo de valores que a sociedade quer cultivar para as futuras gerações.
Ao optar por preservar uma prática cultural que perpetua o sofrimento animal, estamos não só a colocar em risco a ética da nossa sociedade, mas também a falhar na educação das novas gerações…
Desde o século XVIII, quando as primeiras corridas de touros começaram a ganhar popularidade, até aos dias de hoje, as touradas têm sido dinamizadas em várias festividades – algumas delas dedicadas a celebrações católicas –, um pouco por todo o país. Para muitos, a tourada é vista como uma expressão de arte, uma parte importante da identidade nacional que merece ser preservada. Contudo, para além dessa vertente cultural, a prática das touradas levanta sérias questões sobre o tratamento dos animais envolvidos. A barbaridade que caracteriza as touradas, com os toureiros, picadores, bandarilheiros ou cavaleiros a cravarem picos, ferros ou bandarilhas no touro, causando-lhe dores agudas e restringindo-lhe os movimentos, levando-os a sangrar em público e, por vezes, a morrer no final do evento, é cada vez mais alvo de críticas de uma sociedade mais consciente do bem-estar animal. A crescente oposição a esta realidade não é apenas apanágio de grupos de defesa dos direitos dos animais, mas também de cidadãos comuns que, ao longo dos anos, passaram a questionar a moralidade de uma prática que envolve o sofrimento de um ser vivo, independentemente do seu estatuto cultural.
A proposta de reduzir o IVA das touradas levanta uma questão crucial: até que ponto as tradições culturais devem prevalecer sobre os direitos dos animais? Ao sinalizar-se que a tourada é um setor digno de benefícios fiscais, estamos, inadvertidamente, a apoiar a perpetuação de uma tradição que se alinha cada vez menos com os valores éticos modernos. A mensagem que essa proposta transmite é contraditória: enquanto lutamos para proteger os direitos dos animais, incentivamos uma atividade que se baseia no sofrimento dos mesmos. Devemos perguntar-nos: estamos dispostos a sacrificar a nossa compaixão em nome de uma herança que não se coaduna mais com as nossas aspirações sociais?
Os direitos dos animais têm sido reconhecidos em legislações internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, adotada pela UNESCO em 1978, que enfatiza a proteção e a respeito aos animais, além de promover a harmonia entre humanos e natureza. Em Portugal, enquanto membro da União Europeia, o compromisso com o bem-estar animal reflete-se, por exemplo, na proibição de práticas como as lutas de cães e o uso de animais selvagens em circos. Contudo, práticas como as touradas persistem, revelando uma resistência cultural em evoluir, o que desafia os valores éticos contemporâneos que priorizam a empatia e o respeito pela vida. Essa mudança de mentalidade, especialmente visível entre a nova geração, mais consciente do sofrimento animal e alinhada com tendências internacionais que rejeitam práticas sem valor educativo, artístico ou cultural, reforça a necessidade de abolir tradições incompatíveis com os princípios éticos e humanos.
Admitir reduzir o IVA das touradas no Orçamento de Estado de 2025 não é apenas uma medida fiscal, mas uma escolha política que também revela determinadas prioridades de um país. Ao optar por preservar uma prática cultural que perpetua o sofrimento animal, estamos a dar mais um contributo para a degradação ética da sociedade atual e também a falhar na educação das novas gerações, no sentido de serem cidadãos verdadeiramente conscientes. A pergunta que fica é: estamos dispostos a sacrificar a compaixão em nome da tradição? Se queremos um futuro onde a empatia e o respeito pela vida sejam os pilares da nossa cultura, é hora de repensar o que valorizamos. O verdadeiro legado que deixaremos não deve ser o eco de gritos numa arena, mas sim a harmonia de uma sociedade que valoriza a vida em todas as suas formas.
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