Acabamos de sair do mês Rosa, marcado por uma campanha de conscientização mundial dedicada ao combate e à prevenção do Cancro de mama. Mas quantos rosas não serão menos coloridos?
O cancro de mama não tem sexo, apesar de 99% dos casos ser em mulheres. E a sua prevalência é elevada. Como tal, após um rastreio respira-se de alívio quando se recebe um envelope com “nada a destacar”. Mas se se recebe um telefonema e há necessidade de exames complementares o mundo treme e rapidamente o Rosa perde cor e torna-se o cinzento da incerteza.
Procurar psicoterapia e aconselhamento psicológico, procurar suporte de amigos e familiares são actos de coragem, que ajudam a colorir as emoções entre o rosa e o cinzento
A ciência evolui e cada vez mais se valoriza a literacia relativamente à importância de um diagnóstico precoce para prevenir males piores e, neste contexto, tem-se vindo a valorizar o papel essencial da saúde mental no lidar com a doença e com o processo de cura. A Literacia Psicológica na área da saúde mental, em situação de doença física, tem vindo a ganhar espaço e, hoje, em muitos serviços de oncologia, há a oferta complementar de um serviço de psicologia. A Ordem dos Psicólogos Portugueses (em 2023) publicou um contributo científico – “o impacto da saúde mental na saúde física, custos económicos e intervenções psicológicas” que aborda, em termos científicos a correlação de determinadas doenças físicas com perturbações do foro mental.
Neste sentido os psicólogos desempenham um papel fundamental, em situação de doença, oferecendo apoio emocional e ajudando pacientes e familiares a lidar com os desafios que acompanham um diagnóstico e um tratamento longo e duro de cancro de mama, do cancro cor-de-rosa.
O apoio psicológico é importante sempre. Antes de receber o diagnóstico há a incerteza do “é ou não é”. Então, fazem-se os tais exames complementares. A incerteza e angústia aumentam. Muitas vezes é até o pior momento, juntando a incerteza com a falta de controle. Depois vem o trauma da certeza do “eu tenho cancro”. Hora em que o mundo treme, continua a girar e o eu interno paralisa e sofre profundamente. Por vezes nem a palavra cancro, o paciente, consegue verbalizar.
Todos são diferentes nos seus sentires e nas suas manifestações, mas acontece que num momento de diagnóstico vêm à tona emoções como medo, ansiedade, tristeza e incertezas sobre o futuro. Há um tapete que é puxado e que traz um desequilíbrio com o qual é necessário lidar. As cores do mundo envolvente alteram-se. As lentes com que vemos o mundo mudam de cor, de forma e feitio. Toda uma mudança acontece dentro de nós e o normal deixa de ser normal.
A psicologia entra em cena para ajudar a pessoa a compreender-se, a conhecer-se e a lidar com os seus diferentes sentimentos e emoções, ajudando-a a manter o melhor equilíbrio emocional possível, antes, durante e após o tratamento, que poderá ser longo e desgastante.
O apoio psicológico numa primeira linha é fundamental para reduzir os níveis de ansiedade e de stress, prejudiciais ao sistema imunológico e por sua vez dificultarem a própria recuperação física. A ciência tem verificado que maior equilíbrio psicológico, protege o sistema imunológico e ajuda a superar as angústias que advêm de um estado de doença física. Com o suporte psicológico adequado, a pessoa consegue desenvolver uma atitude mais positiva e resiliente, facilitando o enfrentar um período difícil da vida, em que prevalece a doença física e o medo de tudo o que se pode perder.
O tratamento do Cancro de mama poderá incluir cirurgias, quimioterapia, radioterapia, imunoterapia e outras intervenções. Tratamentos que trazem consigo um pacote de efeitos colaterais, físicos e psicológicos, que afectarão cada pessoa de forma diferenciada. Cada pessoa verá o seu mundo com a sua cor, do rosa ao cinzento e todos os seus tons.
Observam-se mudanças cognitivas como maior dificuldade de concentração ou de memória e mudanças corporais, como a perda de cabelo, alterações na pele e, em alguns casos, a remoção do seio (mastectomia). Na maior parte das vezes traz também um grande cansaço. Um “cansaço exaustivo”. Essas alterações podem afectar diretamente a autoestima, a percepção de si próprio, levando a uma maior insegurança e a desenvolver sentimentos de incompetência, de vergonha e até a ter dificuldades quer nos relacionamentos interpessoais, quer nos relacionamentos íntimos, quer no relacionamento consigo mesmo. “Afinal quem sou eu quando não me reconheço no espelho?”
Há um mundo que desaba e treme. O paciente frequentemente sente-se incompetente relativamente ao que era: se é mãe está cansada para ser toda mãe, o que a faz sofrer, a avó tem vergonha da fragilidade demonstrada, não quer que os filhos e os netos a vejam fraca, se trabalha na sua profissão sente que está a perder o barco. Há uma perca de eixo e de propósito que afetam diretamente a identidade e a imagem corporal, elementos que estão intimamente ligados à saúde mental e ao bem-estar. Neste sentido, o acompanhamento psicológico ajuda a pessoa a compreender e a aceitar as mudanças no seu corpo e a redefinir a sua autopercepção, promovendo um sentido de identidade que vai muito para além da aparência física e da competência física dessa fase da vida.
O mês cor-de-rosa estende-se ao longo de uma vida, visando informar sobre a prevenção e a detecção precoce do Cancro de mama, mas também sensibilizar a sociedade e as famílias sobre a importância do apoio emocional aos pacientes. Esse suporte não se limita ao tratamento em si, mas estende se ao longo de todo um processo, incluindo a fase pós-tratamento, onde os desafios emocionais continuam presentes, nomeadamente porque o paciente quando recebe um diagnóstico de cancro tende a redimensionar ou repensar os seus objetivos de vida. E ainda pode carregar efeitos colaterais por muito tempo. No entanto, como os cabelos, as pestanas e as sobrancelhas voltaram, já ninguém repara e os sintomas passam a ser uma doença silenciosa que o paciente sente que não deveria ter de estar a lidar e muitas vezes não aceita e não compartilha a nova insegurança.
A família e os amigos desempenham, obviamente, um papel essencial durante o tratamento, na recuperação e na vida pós tratamento, oferecendo apoio emocional e presencial que complementa o tratamento médico e o tratamento psicológico. Atualmente há muitos grupos de apoio, que são uma fonte de suporte fundamental, permitindo que as pessoas compartilhem experiências e se sintam menos sozinhas no lidar com todo o processo de doença complexo.
O mês cor-de-rosa é um movimento que destaca a importância de uma abordagem integral na luta contra a doença, englobando não apenas o corpo, mas também a mente e as emoções. O suporte psicológico desempenha um papel crucial no fortalecimento emocional das pacientes, permitindo que enfrentem a doença com mais resiliência e esperança.
Reconhecer a importância da saúde mental no tratamento do Cancro, é reconhecer que o apoio emocional é tão essencial quanto o apoio médico. É importante a sociedade apoiar os pacientes de todas as formas possíveis, promovendo uma visão completa e compassiva na sua jornada de cura.
Todos somos possíveis vítimas de cancro e por isso quando necessário, sem medo, deve-se procurar apoio e usar os recursos disponíveis para combater os medos e as inseguranças internas que se abatem em momentos de fragilidade. Os psicólogos, com diferentes técnicas ajudam na gestão da ansiedade e da depressão, ajudando as pacientes a lidar melhor com o desconforto físico e emocional associado ao tratamento do Cancro.
Procurar psicoterapia e aconselhamento psicológico, procurar suporte de amigos e familiares são actos de coragem, que ajudam a colorir as emoções entre o rosa e o cinzento.
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