As organizações em Portugal têm vindo, cada vez mais, a desenvolver uma cultura de segurança e saúde no trabalho, estando mais atentas à importância da prevenção, fruto de uma legislação bem definida e das várias campanhas de sensibilização existentes no país, tais como “Locais de Trabalho Seguros e Saudáveis”, organizadas pela Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho e desenvolvidas pelo ponto focal nacional/ACT, e o “Prémio Healthy Workplaces – Locais de Trabalho Saudáveis”, lançado pela Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Apesar desta consciência mais preventiva, o mundo laboral tenderá a ser muito mais saudável se existir maior preocupação e ações relacionadas com os aspetos psicológicos, subjacentes em toda a dinâmica laboral.
Um dos momentos mais dramáticos da atividade profissional são os acidentes de trabalho, em que um trabalhador pode ficar completamente devastado, com um grande sofrimento físico e psicológico.
Imaginemos a seguinte história fictícia: “o Sr. Zé trabalhava há vinte anos como operário numa empresa, nunca tinha tido uma falta injustificada nem uma baixa médica, fazia horas extraordinárias durante a semana e ao sábado e era considerado um excelente trabalhador. Num dado dia, teve um acidente grave, tendo ficado ‘inapto temporariamente’ para o serviço, tendo-lhe sido prescrito fisioterapia, com risco elevado de cirurgia”.
Este trabalhador, além das dores físicas, irá desenvolver sentimentos de incapacidade e de inutilidade, com repercussões na sua saúde mental, nomeadamente ao nível depressivo e ansioso, influenciando toda a sua vida relacional pessoal e familiar.
Por outro lado, se o trabalhador percecionar que não está a ter o justo acompanhamento por parte da sua organização e dos seus líderes, ao longo deste processo, vai sentir uma imensa revolta, originando, por sua vez, um agravamento de todo o quadro clínico.
A Psicologia tem aqui um vasto campo de intervenção nas diversas fases deste processo, nomeadamente, na prevenção do risco de acidentes, na reabilitação emocional e física, terminando na reintegração profissional do trabalhador.
A nível organizacional é importante avaliar os riscos psicossociais de uma instituição, ou seja, perceber se existem fatores relacionados com o trabalho que podem afetar psicologicamente os trabalhadores, tais como, conflitos com a chefia e com colegas, assédio moral e sexual, sobrecarga de trabalho, exigências emocionais e físicas, equilíbrio trabalho-família, entre outros, no sentido de implementar planos operacionais de mudança, visando um local de trabalho saudável.
A promoção da literacia em saúde psicológica e bem-estar, junto dos trabalhadores e decisores, promove a resiliência, combate o estigma associado à perturbação mental, reforça o autocuidado, a entreajuda entre os pares, contribui para o pedido de ajuda psicológica e sensibiliza a gestão de topo para a necessidade urgente de investir nesta área.
Em acidentes de alguma gravidade, onde existam feridos graves ou mortos, é importante a aplicação dos primeiros socorros psicológicos, durante as primeiras 72 horas, às pessoas envolvidas e expostas a este evento potencialmente traumático, no sentido de prevenir sintomas ansiosos e depressivos, reações agudas de stress e o surgimento de perturbações pós-traumáticas.
Em conjunto com os técnicos de higiene e segurança, os psicólogos podem participar na investigação e análise de acidentes de trabalho, englobar a equipa que presta serviço de formação aos trabalhadores, chefias e dirigentes, na área da saúde, higiene e segurança, nomeadamente, riscos psicossociais, dependências em meio laboral e outros na área comportamental. Por fim, devem englobar as equipas que implementam Sistemas de Gestão de Segurança e Saúde no Trabalho, contribuindo nas políticas, desenho, planeamento e implementação.
Torna-se imperioso que as organizações e as seguradoras de acidentes de trabalho, disponibilizem sessões de apoio psicológico aos trabalhadores acidentados, no sentido da sua estabilização emocional, e que os ajudem a lidar com a dor física e psicológica inerente a este corte abrupto com a normalidade da sua vida, na busca de uma rápida reabilitação profissional.
Inúmeros trabalhadores são considerados «aptos condicionalmente» para trabalharem e reiniciam as suas funções profissionais com várias limitações e incapacidades. É essencial uma reintegração profissional adequada e humanista, procurando um equilíbrio entre as capacidades físicas, cognitivas e emocionais do visado e as necessidades de serviço da organização.
Em todo a dinâmica laboral, e neste caso específico dos acidentes do trabalho, a ciência psicológica pode dar um contributo relevante na sua prevenção e redução, na estabilização emocional dos trabalhadores envolvidos e no apoio e elaboração do seu plano de reintegração profissional.
As grandes causas dos acidentes de trabalho são apontadas como “falhas humanas”, quando genericamente se está a analisar estatisticamente o acidente. No entanto, quando se vai à raiz da problemática, percebe-se que existem “falhas organizacionais” ao nível da deficiente análise dos riscos psicossociais.
As dinâmicas laborais mudam a um ritmo incessante! A pandemia, o teletrabalho, as novas gerações, o aumento da inflação e da pobreza, entre outros fatores, contribuem para a insegurança laboral, surgimento de novos modelos laborais, aumento da competitividade empresarial e uma maior exigência para as instituições públicas.
As organizações, que ambicionam crescer e deixar a sua marca, têm, urgentemente, de olhar para a humanização do trabalho como um investimento precioso e não como uma despesa, permitindo e criando as condições para que a ciência psicológica possa contribuir para o desenvolvimento de locais de trabalho saudáveis.