Disclaimer – Pura coincidência, de Renée Knight, está publicado pela Suma de Letras, com tradução de Isabel Veríssimo. Não sendo o thriller o meu habitual género de leitura, senti-me compelido a tentar com este exemplo de thriller psicológico, especialmente porque esta obra inspirou a série da Apple Tv em que estreia Cate Blanchett e que parece ter sido uma das grandes séries do ano que agora termina.
A capa lança uma certa dúvida relativamente ao título do livro, pois não é claro se em português se optou ou não por manter o título original, que aparece por duas vezes, a par do título português, que surge quase como um subtítulo. Entretanto, descobrimos ainda que o livro foi primeiro publicado por cá em 2015, sendo esta a segunda edição.
Catherine tem uma vida boa, confortável; documentarista de sucesso recentemente premiada, casada e mãe de um filho. Mudou de casa há três semanas e lida ainda com a desarrumação das caixas quando, certa noite, encontra na sua mesa de cabeceira um livro com o título O perfeito desconhecido. Não consegue lembrar-se como exactamente chegou ali aquele livro, mas começa a lê-lo. E horrorizada constata que, mesmo que mais ninguém o pudesse descobrir, aquele livro é sobre si. E conta pormenores da sua vida, em particular um episódio com alguém que, entretanto, já morreu, pelo que seria impossível alguém saber o que aconteceu e, inclusive, escrever um livro sobre isso. Mais tarde, por coincidência, Catherine descobre que o filho também está a ler o mesmo livro.
Um livro que se lê bem, cujo mistério prende, como aliás se pode ler numa passagem: “a ficção é a melhor forma de desanuviar a cabeça”
A narrativa alterna entre Catherine, na terceira pessoa, e a perspectiva de Stephen Brigstocke, na primeira pessoa, dois anos antes. O curioso é como esta opção é sintomática da própria narrativa, uma vez que é ele o suposto autor do livro, e ela a personagem sobre a qual não sabemos muito mais do que o que nos é dado a ler. A certa altura, o leitor pergunta-se até que ponto pode confiar em Stephen…
Como geralmente acontece nos thrillers, a intriga é veloz, com frases curtas e numa prosa que pode tornar-se abrupta, como condiz a uma narrativa vertiginosa, rápida, cheia de reviravoltas – as surpresas são algumas, mas parecem forçadas, nas revelações que fazem guinar o sentido da intriga. Um livro que se lê bem, cujo mistério prende, como aliás se pode ler numa passagem: “a ficção é a melhor forma de desanuviar a cabeça” (p. 50), mas que corre o risco de se consumir no momento em que se pousa o livro. Fica o desejo, que tem sido adiado, de ver a série.
Renée Knigth foi realizadora de documentários para a BBC antes de se dedicar à escrita. Pura coincidência é o seu primeiro romance.
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