Migrações: dos mitos à realidade
O tema das migrações é, hoje, uma das maiores preocupações politicas e dos cidadãos em geral. Este é um tema que está associado a várias áreas, desde a economia, passando pelo emprego até à coesão social, tocando também na psicologia, por estarem em causa processos psicológicos envolvidos neste fenómeno. No Eurobarómetro de Julho deste ano, o tema das migrações surgiu em quinto lugar entre as preocupações dos cidadãos e o espaço do debate político deste tema tem superado largamente o de outros temas que se encontram em lugares anteriores.
As crianças e jovens migrantes são uma realidade (e uma necessidade) no nosso país que não podemos ignorar
Este cenário também abrange Portugal e, embora possa ser veiculada a ideia de que o nosso país tem muitos imigrantes, na verdade estamos abaixo da média europeia, entre os 10 e os 12%, quando comparados com o resto dos países da Europa. Este mito surge muitas vezes associado a outros, como por exemplo, a ideia de que o nosso país não precisa de tantos imigrantes, que estes se encontram desocupados, não trabalham ou estão ligados a atividades ilícitas. Na realidade, 40% dos trabalhadores da agricultura e pesca são imigrantes, 30% da mão-de-obra na área da hotelaria e restauração são pessoas estrangeiras e 28% das pessoas que trabalham na construção civil são oriundas de outros países. E precisaremos ainda de mais para dar resposta a alguns desafios que temos pela frente…
Atualmente, uma das prioridades políticas é a regularização da situação de milhares de imigrantes que se encontram no nosso país, bem como a implementação de boas práticas de acolhimento que possam garantir que estas pessoas não fiquem sujeitas a abusos, a violação dos seus direitos ou em situações de exploração laboral.
Muitos dos fluxos migratórios constituem uma migração familiar, ou seja, as pessoas que procuram uma vida melhor, que não estão a conseguir construí-la no seu país de origem ou que têm de abandonar o seu país ainda que contra a sua vontade para garantir a sua segurança e proteção, por norma, vêm acompanhados dos seus filhos. Este facto impõe, portanto, outra prioridade política – a da inclusão das crianças e jovens migrantes nas escolas portuguesas, o que desempenha por si só um papel fundamental na socialização das próprias famílias.
Hoje em dia, em Portugal, já existem escolas nas quais 30%, 40%, ou até mesmo 50%, dos alunos são de origem estrangeira. Estes dados trazem consigo enormes desafios ao nosso sistema educativo, às escolas e a toda a comunidade educativa.
Mas afinal, o que é que uma criança/jovem migrante traz na sua bagagem?
De facto, mudar de país pode ser muito difícil e desafiante. Num novo país, os migrantes não sabem, muitas vezes, o que vão encontrar, se irão ou não conseguir trabalho, ajuda médica, abrigo, casa ou mesmo se irão encontrar outras pessoas que os acolham e as façam sentir-se bem, como se estivessem em casa.
A forma como as crianças lidam com esta mudança depende muito da maneira como foram envolvidas no processo de tomada de decisão, de como ocorreu a comunicação por parte dos adultos ou até da situação em que se encontravam no seu país de origem. Este processo de preparação é determinante da forma como irá decorrer a sua adaptação à mudança. Mas perante tantos desafios é natural que as crianças/jovens possam manifestar sentimentos de ansiedade e de preocupação por todas as incertezas e novidades que vão enfrentar, de tristeza porque perderam alguém (familiares, amigos, etc.) ou algo importante (casa, objetos pessoais, conforto, segurança), ou até mesmo que possam (re)viver situações traumáticas. Para além de tudo isto, pode ainda existir a barreira linguística, uma vez que muitas das crianças e jovens que acompanham as suas famílias não falam português.
E o que pode fazer a escola para melhor integrar estas crianças e jovens migrantes?
Antes de mais, escola deve encarar esta diversidade cultural como um fator de valorização da comunidade educativa e da aprendizagem de todos os alunos. Uma inclusão bem-sucedida é um processo contínuo que requer flexibilidade e adaptação às necessidades individuais dos alunos, mas também a preparação e mudanças nas dinâmicas e na cultura de escola. A escola deve organizar-se e estruturar a sua ação de forma intencional e integrada de modo a garantir o direito de todos à educação e à igualdade de oportunidades, tal como está previsto na Convenção dos Direitos das Crianças.
Cada escola tem autonomia para definir as estratégias e as atividades que considera mais adequadas ao seu contexto. No entanto, de uma forma geral, podem prosseguir quatro etapas fundamentais: 1) o acolhimento, 2) o diagnóstico, 3) definição do percurso pedagógico e 4) o acompanhamento e apoio específicos.
Algumas escolas disponibilizam documentos em várias línguas, criam gabinetes de atendimento aos migrantes, estabelecem tempos letivos dedicados ao acolhimento destas crianças, diversificam os alimentos disponíveis no bufete ou as ementas no refeitório ou disponibilizam livros em diversas línguas. Também é comum as escolas dinamizarem programas de mentorias de pares, incentivando que o acolhimento dos alunos recém-chegados possa ser realizado a partir do envolvimento de outros alunos que já estejam integrados na escola que tenham a mesma origem, língua ou que tenham passado por uma experiência semelhante. A integração dos alunos também é bem conseguida através da sua participação em atividades extracurriculares, como o desporto escolar, práticas artísticas, clubes, projetos, atividades multiculturais e através da realização de visitas aos espaços escolares e da comunidade local.
Face à existência de barreiras linguísticas que possam existir por parte dos alunos recém-chegados, a escola deve avaliar o seu perfil sociolinguístico, de modo a delinear um plano pedagógico e adequando as atividades letivas às necessidades específicas de cada aluno. Para os alunos que não têm o português como língua materna ou não tiveram o português como língua de escolarização, será ainda importante definir o seu nível de proficiência linguística (iniciação, intermédio ou avançado) e em função dos resultados os alunos poderão, ou não, frequentar uma disciplina específica (PLNM – Português Língua Não Materna).
Tudo isto contribuiu indiretamente para a integração das famílias destas crianças, mas podem ainda ser facilitadas algumas atividades específicas para as famílias, como a mediação linguística por parte de outros pais, docentes ou não docentes da comunidade educativa, a promoção de cursos de português de acolhimento para os pais migrantes em parceria com outras entidades da comunidade, bem como a participação em atividades diversas promovidas pela escola.
Para concluir, as crianças e jovens migrantes são uma realidade (e uma necessidade) no nosso país que não podemos ignorar. É imperativo que em conjunto possamos trabalhar, mais especificamente, em prol da sua integração e inclusão, dando cumprimento aos Direitos das Crianças e, de uma forma mais alargada, em prol da coesão social. Ainda que as escolas tenham um papel fundamental neste processo, esta é uma missão que cabe a todos os cidadãos, sem exceção.
Leia também: Para além do Amor: novas formas de violência no namoro na era digital | Por Carla Fernandes