Vivemos num mundo em constante mudança que afeta directamente a forma como nós vivemos em sociedade. A prova disso é a existência de 110 milhões de pessoas deslocadas devido a perseguições, conflitos, violência, violação dos direitos humanos ou eventos que levam a uma perturbação grave da ordem pública (dados da United Nations High Commissioner for Refugees – UNHCR) (2023).
Os impactos ecológicos podem levar a um movimento populacional que afecta o normal funcionamento de qualquer Estado
As alterações climáticas são um dos factores a serem tidos em conta para o contributo do número de pessoas deslocadas e a prova disso é o Summary for Policymakers in Climate Change 2023: Synthesis Report do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC):
“Approximately 3.3 to 3.6 billion people live in contexts that are highly vulnerable to climate change. Human and ecosystem vulnerability are interdependent. Regions and people with considerable development constraints have high vulnerability to climatic hazards. Increasing weather and climate extreme events have exposed millions of people to acute food insecurity and reduced water security, with the largest adverse impacts observed in many locations and/or communities in Africa, Asia, Central and South America, LDCs, Small Islands and the Arctic, and globally for Indigenous Peoples, small-scale food producers and low-income households. Between 2010 and 2020, human mortality from floods, droughts and storms was 15 times higher in highly vulnerable regions, compared to regions with very low vulnerability.” (IPCC 2023).
No mesmo relatório é-nos dado conta de como os países menos desenvolvidos e, por consequência, os que menos emitem emissões poluentes per capita, são os mais afectados por não terem um conjunto de mecanismos que os tornem menos vulneráveis. Ou seja, são países que não possuem os mecanismos necessários para se adaptarem ou para responderem a questões de secas extremas que levam a solos aráveis e impróprios para a agricultura e pecuária, chuvas intensas que levam a cheias rápidas e, por consequência, à destruição de campos agrícolas e áreas urbanas, aumento do nível do mar, entre outros fenómenos naturais. Todos estes fenómenos aumentam o risco de pessoas, na maioria sem recursos, procurarem noutros locais uma forma de subsistência e colocando-as em possíveis situações de perigo.
A terminologia de refugiado climático tem vindo a ganhar forma no debate público dos últimos anos havendo autores como El-Hinnawi (apud. Cartaxo 2020) que consideram que as alterações climáticas são a causa directa das migrações, em contraponto com autores como Koko Warner e Richard Black (apud. Cartaxo 2020), que não as consideram o principal factor para a deslocação de pessoas e que em alguns casos essa deslocação não é permanente nem acontece para fora de fronteiras da sua pátria. Contudo, Teresa Giménez (Giménez 2020) refere que tanto os refugiados como os deslocados climáticos já tinham sido sinalizados como uma realidade no relatório anual de 2016 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA): “el cresciente número de refugiados climáticos afectados por el hambre, la pobreza, la enfermead y el conflito constituirá un constante recordatorio de nuestro fracaso”. Seja como for, os impactos ecológicos podem levar a um movimento populacional que afecta o normal funcionamento de qualquer Estado, mesmo que este tenha meios que possam responder positivamente a essas crises, sendo indispensável que exista um acordo de apoio internacional no suporte aos diversos Estados que se confrontam com esta situação.
Diante da magnitude das mudanças climáticas e do impacto cada vez mais evidente nas populações vulneráveis, torna-se impossível não sermos confrontados com um elevado número de deslocados, aos quais já se intitulam de refugiados climáticos, aumentando assim o debate sobre as questões migratótias. Debate esse que é sempre um tema fraturante na sociedade devido a receios do que é diferente e faz com que esses medos sejam alicerces para a discriminação em nome de uma maior segurança devido a questões da cor de pele, nacionalidade e/ou a religião não ser a mesma que a existente no país onde se dirigem. Contudo, não nos podemos esquecer que existe uma diferença legal entre pessoas refugiadas e pessoas migrantes, sendo que as pessoas refugiadas são, ao contrário das pessoas migrantes, reconhecidas no âmbito do direito internacional.
Verificando a existência de duas visões sobre este tema, onde uma considera que as alterações climáticas são a causa directa das migrações (maximalista) e outra que não considera as alterações climáticas como o principal fator para essa mesma emigração (minimalista), eu tendo a concordar com a visão minimalista e concluir que é um perigo a aceitação do conceito de “refugiado climático” devido à ausência de uma base legal sólida, conforme estabelecido pela Convenção de Genebra de 1951, bem como a dificuldade em estabelecer uma correlação direta entre as migrações e as alterações climáticas evidenciam as fragilidades conceptuais e práticas dessa categoria. Além disso, o apoio prestado a um Estado que se vê afectado por movimentos populacionais de grandes dimensões devido a impactos ecológicos pode vir a ser desvirtuado devido à opinião pública quando esta, organizada por grupos de pressão, procura introduzir novas categorias não existentes no direito internacional, levando a população a dar as mesmas como certas por mero senso comum, como é o caso da categoria de refugiados climáticos, termo ouvido não somente nas ruas como através de ONGs como as Manos Unidas 2023 e até por membros das Nações Unidas como é o caso de Erik Sholheim que, enquanto exercia o cargo de director executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), utilizou este termo no relatório anual de 2016 sobre a ação climática mundial (Giménez 2020).
A persistência na utilização deste termo sem uma base legal contribui para um problema de desinformação, obscurecendo a compreensão dos fatores complexos subjacentes às migrações. A falta de consenso na definição e a ampla gama de motivos que impulsionam as deslocações, incluindo a pobreza, a instabilidade política e questões socioeconômicas, ressaltam a necessidade de uma abordagem mais matizada nas discussões e políticas públicas. Saliento que, o que considero perigoso é, caso fosse aceite esta nova designação no direito internacional, pudesse cair em redundância a proteção das pessoas que, actualmente, necessitam do estatuto de refugiado por estarem a ser perseguidas por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas. Porém, relatórios do IPCC afirmam que as alterações climáticas vão acelerar a degradação do estilo de vida de várias populações em diferentes partes do mundo que, por consequência, irá conduzir a um aumento dos fluxos migratórios (IPCC 2023) (UNHRC 2023).
Nesse sentido, temos de criar um plano estratégico global, à semelhança da declaração de Nova Iorque, para que os diversos Estados consigam partilhar, de uma forma mais efetiva, os desafios dos movimentos populacionais em três áreas:
- Melhor monitorização do destino e do impacto no terreno dos financiamento para o aumento da resiliência das populações.
- Realização de acordos com os países com maior vulnerabilidade para uma agilização nos processos de migração por razões ambientais que contribuísse para um alívio da pressão sob áreas vulneráveis ou com uma enorme exploração ambiental, permitindo que estes migrantes pudessem realizar o envio de remessas para as suas famílias, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população residente nessas áreas.
- Discussão e aprovação do ecocídio, (qualquer ato ilícito ou arbitrário perpetrado com consciência de que existem grandes probabilidades de que cause danos graves que sejam extensos ou duradouros ao meio ambiente) como crime contra o planeta e a Humanidade, permitindo, assim, que em situações ambientais graves não só se possa mais facilmente identificar os responsáveis como também seria mais fácil oferecer uma maior protecção internacional às pessoas afectadas (ALTARES 2021).
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