O Conselho Europeu dos próximos dias 14 e 15 de dezembro é muito importante para o futuro do projeto europeu e é, por isso, um excelente pretexto para refletir sobre a agenda europeia no horizonte 2030. Recordo, a propósito, que no passado dia 13 de setembro, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, proferiu no Parlamento Europeu o último discurso do seu mandato sobre o estado da União Europeia. Seguem-se umas breves reflexões sobre a Europa 2030, uma reflexão alinhada com as grandes transições que atravessarão esta década e as próximas.
- A transição climática, a descarbonização 2050 e a matriz energética renovável: o pacto ecológico e as leis do clima já aprovadas colocam a União Europeia no caminho certo da transição climática e energética. Porém, as metas para 2030 e 2050 estão postas em causa e exigem um esforço redobrado.
- A transição agroalimentar, a biodiversidade, economia circular e as dietas: os impactos climáticos causam danos severos nos solos, nos lençóis freáticos, no coberto vegetal, na biodiversidade e na luta biológica, na previsibilidade das colheitas, na própria sazonalidade dos ciclos produtivos. Está na altura de olhar, mais uma vez, para a PAC e rever os seus pressupostos à luz desta emergência.
- A transição digital e a inteligência artificial, a ética da transição e a sua regulação: a transição digital e a IA têm uma prioridade elevada na política europeia, não obstante faltarem ainda os campeões europeus nesta matéria; por isso, neste momento, a prioridade pende mais os mercados e os serviços digitais e, bem assim, a regulação dos impactos sobre a privacidade e os direitos fundamentais dos cidadãos.
- A transição industrial, o compromisso entre sustentabilidade e competitividade: os efeitos das alterações climáticas, da pandemia, da geopolítica da guerra e das políticas de austeridade do BCE, mostram que a globalização tem impactos negativos sobre a estabilidade das economias e, em especial, sobre as relações entre sustentabilidade e competitividade. Nesta matéria as relações com a China a propósito dos carros elétricos, os materiais do seu ciclo de produção e as ajudas de estado concedidas mostram bem o trabalho que a política industrial europeia tem pela frente.
- A transição socioeconómica, o pilar social e a condicionalidade da zona euro:o modo como o BCE lida com a inflação e as taxas de juro, relegando para plano secundário os impactos sociais sobre as famílias mais vulneráveis, revela que a ortodoxia em matéria monetária está desajustada da realidade concreta dos cidadãos. É tempo de rever em profundidade toda a política de condicionalidade macroeconómica da zona euro.
- A transição migratória, a crise demográfica e a regulação dos fluxos migratórios:
após uma crise não resolvida em 2015, eis uma nova crise migratória em 2023. Estamos, algures, entre uma nova política de cooperação e vizinhança, que não chega, e uma reação vigorosa do populismo doméstico, que cresce todos os dias.
- A transição geopolítica, geoeconomia e geopolítica das áreas de influência: estamos a assistir a uma recomposição da geoeconomia e geopolítica das áreas de influência em que o multilateralismo informal e os acordos ad hoc tomam o lugar do multilateralismo institucional do pós-guerra. Só falta saber até que ponto a globalização comercial e financeira é afetada por esta recomposição.
- A transição securitária, a guerra na Europa e a segurança geoestratégica europeia: toda a orla fronteiriça da Europa, do báltico à Ucrânia e ao leste europeu, do médio oriente à margem sul do mediterrâneo, está sob uma pressão geoestratégica imensa o que impõe a reconsideração do conceito de defesa e segurança europeia, assim como do sistema operacional de forças conjuntas.
- A transição para um novo alargamento, do leste europeu à península balcânica:
depois do alargamento ao leste europeu até aos 27 Estados membros, a União prepara-se para um desafio geopolítico de enorme sensibilidade, a saber, uma promessa de alargamento à Eurásia e, também, aos países dos Balcãs ocidentais. Fica por saber, nesta transição, quantos países relutantes e quantas crises internas serão criados.
- A transição político-institucional, uma convenção ou uma revisão dos tratados: mais maioria qualificada no Conselho, mais iniciativa legislativa do Parlamento, novos recursos próprios, um novo conceito de defesa e segurança europeias, uma outra condicionalidade macroeconómica, mais mutualização da dívida conjunta, mecanismos reforçados de gestão de grandes riscos, entre outros, são alterações fundamentais que poderão ser abordadas por via de uma simples convenção, umas, e por revisão dos tratados, outras.
Notas Finais
Acabámos de fazer uma longa viagem ao coração do projeto europeu, uma viagem que não cabe, obviamente, num discurso sobre o estado da União, mas que, não obstante, sinaliza os grandes desafios para um próximo mandato. Estamos claramente num momento de viragem e em busca de um guião para a 3ª via unionista da construção europeia, algures entre a Europa Federal e a Europa Intergovernamental e em busca de legitimação política quanto baste para um governo dos comuns europeus.
Finalmente, entre uma abordagem de refundação do projeto europeu e uma abordagem minimalista do mesmo projeto, é conveniente, nesta conjuntura, que sejam aproveitados os instrumentos dos próprios tratados europeus, a saber, a revisão simplificada do artigo 48º, nº2, do TUE e as cooperações reforçadas dos artigos 20º e 42º a 46º do TUE e os artigos 326º a 334º do TFUE, já para não referir os acordos intergovernamentais realizados fora dos tratados e que têm sido uma prática constante ao longo dos últimos anos. Ou seja, um Ato Único Europeu poderia acolher todas estas propostas, por exemplo, sob a forma de uma convenção europeia.
Artigo publicado no Público.
Leia também: Os riscos do próximo alargamento da União Europeia | Por António Covas
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