Estou farto de ouvir histórias de amigos meus que não encontram casa ou emprego.
Farto de ver familiares sem saber como será o seu futuro, como conseguiram sobreviver o próximo mês; e nem sequer pensam já nos seus sonhos.
Farto de eu próprio não saber como é suposto viver os meus sonhos e ter de escolher entre ajudar a família e o meu futuro.
Tenho 5 anos de carreira profissional e nunca coloquei como opção a compra de casa, já que essa realidade está muito longe de ser alcançada.
Não tenho ensino superior, já que a minha família não tem meios para suportar as despesas do ensino; e apoio-os regularmente financeiramente. Isto não me deixou confortável em iniciar os estudos, já que não teria apoio familiar e a oferta de apoios do estado e instituições, na sua maioria, não cobrem as despesas decorrentes dos estudos.
Tenho amigos e familiares em situações semelhantes, ou piores ainda, o que não me permite ter esperanças que os tempos melhorem num futuro próximo.
Mas nem consigo ficar zangado com os investidores de imóveis, que fazem subir os preços, já que eles estão a fazer aquilo que é suposto fazerem, investir em Portugal, até porque para gerar riqueza é necessário investir primeiro.
Não, a minha deceção é para com as nossas lideranças políticas, as quais têm a responsabilidade de assegurar o bem-estar da população. E se não se motivam a pensar nos cidadãos, então vejam os cidadãos como os seus eleitores, dos quais dependem para permanecerem nos lugares que ocupam.
Há ainda programas que já estão a ser aplicados em Portugal, com assinalável sucesso, como aqueles que são desenvolvidos na cidade do Porto pela empresa local “Porto Vivo, SRU”, que promove junto dos privados a disponibilização de habitações para o mercado de arrendamento acessível, e que aproveita o forte investimento do Município nas políticas de habitação para proceder à reabilitação de património público devoluto da cidade, sempre com o mesmo objetivo de o disponibilizar ao mercado com rendas acessíveis. No entanto, é uma solução que não está a ser implementada de forma sistemática pelo país, o que me faz questionar a razão.
Existe ainda toda a questão da falta de investimento em vários setores, o que provoca um imbalanço: uma deficiência em certas áreas e um excesso em outras. Isto leva a que certas empresas não venham para Portugal, enquanto, por exemplo o caso do turismo, que faz refém a economia portuguesa de variações e flutuações de mercado. A era do COVID foi um ótimo exemplo que mostrou a necessidade de se investir noutras áreas.
Não é uma decisão financeira responsável apostar apenas em fontes de rendimentos sazonais e de alta insegurança de mercado. Seria sim responsável existir um investimento noutros setores, que permita ao país conseguir ser mais resiliente financeiramente e que, ao mesmo tempo, crie empregos em áreas especializadas.
Se existe apenas um investimento em setores de alta precariedade e baixos níveis de educação, a população portuguesa, como resultado, tem duas escolhas: ou trabalha numa área que não a dos seus estudos (sendo sobre-qualificada e mal aproveitada) ou procura esses empregos fora de Portugal, levando assim todas as ideias, conhecimentos e potencial para outros países com melhores condições de vida. Esta perda de pessoas de altos níveis de educação têm várias consequências, começando pela questão do mercado de trabalho. Apesar de necessários para o bom funcionamento do país, se só existem trabalhadores com baixos níveis de educação, teremos só empresas de setores de baixo rendimento financeiro que não necessitam de uma mão de obra qualificada. Por conseguinte, se só tivermos empresas que oferecem empregos precários e/ou de baixo rendimento económico, isto leva a que pouca riqueza seja criada.
Assim, é do nosso interesse económico e social que os cidadãos que se formam nas nossas instituições de ensino superior, se mantenham em Portugal e para além disso, que consigamos trazer mão de obra qualificada de outros países, o que contribuirá para a criação de riqueza em Portugal
Ao “perdermos” estes jovens que se formaram no ensino superior, estamos ativamente a perder dinheiro que foi investido neles durante toda a sua educação, desde a infância até à graduação na universidade. É literalmente dinheiro jogado pela janela.
No entanto, não podemos esperar que estes jovens, e todas as outras pessoas, fiquem em Portugal, tendo em conta as condições referidas no início deste artigo de opinião, temos de lhes dar condições!
E essas condições passam por assegurar que seja possível comprar e alugar casa a preços acessíveis perto do local de trabalho; que existam incentivos para empresas de vários setores a ficarem ou criarem negócio em Portugal, para que haja empregos que tragam valor acrescentado à economia portuguesa; que haja infraestruturas que, de facto, correspondam às necessidades da população: como transportes públicos que cubram as necessidades das pessoas; serviços de saúde que não “obriguem” a população a recorrer ao privado por desespero; que o Estado consiga oferecer serviços eficientes e eficazes, como nas áreas da segurança, justiça e tantos outros serviços essenciais..
Poderia continuar, mas acho que consegui fazer entender o meu ponto. Claro que podemos dizer que não é fácil fazer estas alterações, ou que há falta de dinheiro, ou podemos arranjar outra desculpa qualquer. Mas na minha experiência, o grande obstáculo na resolução dos problemas acima mencionados, está na falta de vontade política, na falta de chamar os políticos à atenção e de os responsabilizar pela sua inação.
Como os podemos responsabilizar? Poderá ser uma pergunta do leitor.
Primeiro, através do voto, votando em partidos democráticos que trazem ideias novas e pessoas novas à política, pode muitas vezes quebrar este ciclo de estagnação. Segundo, através da participação ativa na política, seja pela filiação num partido, ou indo às reuniões da junta de freguesia onde habitamos e colocar questões sobre a resolução de problemas locais. Terceiro, através de ativismo, da organização de petições ou de eventos para chamar à atenção de problemas, como fazem organizações como a Lisboa Possível, e tantas outras em Portugal.
Existem muitas mais formas de nós, comuns cidadãos, podermos influenciar o rumo que Portugal irá tomar. E está sempre nas nossas mãos, se nada fizermos nada mudará.
Leia também: EU e a política: Motivo de esperança… ou não? | Por Nelson Miranda
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