Vinha com um casal jovem de chilenos, cujo pai do rapaz, resistente contra a ditadura de Pinochet havia acabo de ser nomeado adido na embaixada do Chile em Madrid.
Descemos do comboio em Santa Apolónia e fomos caminhando até um hotel na Rua de Santo Antão. Pelo caminho, no Terreiro do Paço, um palco montado e técnicos a ajustar luzes e som. Perguntei a uma pessoa quem iria cantar. “Fausto, respondeu-me gentilmente”.
Nunca tinha ouvido falar em Fausto, o que podia ser considerado natural para um brasileiro acabado de chegar e para quem a música portuguesa, no Brasil, resumia-se a Amália, Carlos do Carmo e Roberto Leal!
Depois de deixar as malas no hotel e passear pelo centro de Lisboa, fomos então, os três, ver o tal do Fausto, num Terreiro do Paço completamente cheio.
A primeira sensação foi de surpresa, daquelas que nos embala e adoça a alma. Em poucos minutos já parecia um fã incondicional. Uma música surpreendente, mistura de sons e emoções. E pensei em como foi possível nunca ter ouvido falar em Fausto e a felicidade de, naquele momento, naquela data, partilhar com tantos aquela música.
Eu era uns anos mais velho que os chilenos e a nossa frente estava um casal talvez com uns 80 anos, cada um com um cravo na mão. Umas conversas e eles nos explicaram o porquê do cravo ser o símbolo da revolução e, depois, nos ofereceram os cravos.
Éramos então 3 gerações que viveram diferentes ditaduras: Salazar; Pinochet e a ditadura militar brasileira, ali, no Terreiro do Paço, a cantar a liberdade ao som do Fausto. E se para o Fernão, o cais era de saída, para mim era de chegada.
Na quinta era feriado e continuamos a passear até ao domingo, quando os chilenos regressaram a Madrid. Na segunda fui à Valentim de Carvalho e comprei o “Por Este Rio Acima”, que guardo com todo o carinho do mundo.
E assim se passaram 33 anos, não só ao som do Fausto mas de tantos músicos extraordinários que a música portuguesa tem. E se há quem diga que não se esquece o primeiro beijo… ou a primeira namorada. Eu não esqueço a primeira música!
O desaparecimento visual do Fausto deixa-me um vazio profundo, uma lembrança de um momento de muitas emoções e de mudanças… mas a sua música vai continuar a embalar a minha vida e a encher a minha alma!
Obrigado Fausto!