“É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós”. Saramago escreveu este famoso pensamento da língua portuguesa na sua obra “O Conto da Ilha Desconhecida” em 1997.
Nesse ano já existia a União Europeia (UE), que, todavia, Saramago não nutria grande desejo para aceitar a sua existência. Tinha as suas razões, várias vezes exteriorizadas e publicadas nos anos 90.
De todo o modo, foi com o Tratado assinado na cidade de Maastricht, a 7 de fevereiro de 1992, que os membros da Comunidade Económica Europeia decidiram que esta se converteria em União Europeia, criando assim uma união mais fortalecida, alargada e mais integrada entre os diferentes membros que até então tinham aderido a esta construção pela paz no continente.
O Tratado da União Europeia entrou em vigor a 1 de novembro de 1993, tendo sido celebrado muito recentemente os 31 anos desde esse marco histórico. Muitos celebraram o feriado religioso nesse dia em Portugal, mas há outro motivo para celebrar neste mesmo dia: o 31.º aniversário da cidadania da União Europeia.
“É cidadão da União Europeia qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro”, conforme o artigo 9.º do Tratado da União Europeia e o artigo 20.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE. Esta cidadania vai, assim, de mãos dadas com a cidadania nacional de cada um de nós.
Mas talvez seja provável que no dia a dia um cidadão comum da UE não tenha grande consciência da importância e dimensão deste estatuto de cidadania, não sendo um pensamento que passe frequentemente pela cabeça. Contudo, quando “saímos da ilha” e nos afastamos suficientemente da nossa “casa europeia” ganhamos maior consciência da “nossa ilha” e da sorte que temos de “nela” habitarmos.
Quando saí da “ilha” e me mudei para residir no sudeste asiático, percebi que ser cidadão da União Europeia é realmente algo importante e valioso, sobretudo quando percebemos que estamos longe do nosso país, mas mantemos um conjunto de direitos que nos protegem ou salvaguardam em caso de emergência. Imagine-se que estamos num país sem representação diplomática portuguesa e necessitamos de assistência diplomática urgente, porque, por exemplo simples, perdemos o nosso passaporte. A cidadania da UE dá-nos a oportunidade de nos dirigirmos a uma representação diplomática de outro país da União Europeia e obter assistência como um cidadão desse mesmo Estado, na qualidade de cidadão da União Europeia. É nesses momentos de aflição que agradecemos privilégios que desconsideramos quando estamos na zona de conforto da nossa pátria, mas que quando estamos distantes são a válvula de escape para a nossa proteção. Este é o direito à proteção diplomática em países terceiros, ou seja, países que não pertencem à União Europeia.
Também dentro da União Europeia temos direitos enquanto cidadãos da UE que, por falta de atenção dos nossos políticos nacionais, são completamente marginalizados do conhecimento público que é titular desses mesmos direitos. Desses inúmeros direitos destaco alguns, como são os exemplos: 1) o direito de circular e permanecer em qualquer país da UE (viajar, estudar, trabalhar ou simplesmente residir); 2) o direito de voto para o Parlamento Europeu; 3) o direito à proteção e defesa enquanto consumidor; 4) o direito de apresentar uma queixa à Comissão Europeia; entre muitos outros que se poderia aqui enumerar, podendo o leitor aprofundar na sua pesquisa.
Há que valorizar as grandes conquistas e direitos europeus. Temos de saber proteger o que nos distingue enquanto povo europeu dos demais povos existentes no mundo, resultante de uma identidade multidimensional e multinacional, unida pelos mesmos valores basilares que se consolidaram ao longo de vários séculos da História continental europeia.
Ser orgulhosamente cidadão da União Europeia é um privilégio que desde 1 de novembro de 1993 temos o direito de invocar em todos os lugares e momentos e que, acima de tudo, nos garante o direito a uma vida melhor e repleta de oportunidades.
Turbulências VII escrito por João Fernandes Moreira, advogado
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