A Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) é uma instituição de referência no panorama cultural, que garante a recolha do património bibliográfico nacional, tal como o seu processamento e preservação, disponibilizando-o à comunidade intelectual e científica e a quem se inscreva como leitor.
É sempre intenso voltar a esta casa. É a biblioteca onde, até hoje, passei mais horas a ler e a escrever. Construir o texto sobre uma biblioteca na própria biblioteca tem sido habitual durante esta rubrica chamada Bibliotecofilia. É a partir do silêncio desta enorme Biblioteca, só interrompido pelo som dos aviões que passam mesmo por cima do edifício e pela campainha que toca intensamente 30 minutos antes do encerramento do espaço, que deixo um pouco da história da BNP.
A Biblioteca nasceu a 29 de Fevereiro de 1796, por alvará da Rainha D. Maria I com a designação de Real Biblioteca Pública da Corte, tendo ocupado um segundo andar no torreão ocidental da Praça do Comércio. O Terreiro do Paço tornou-se pequeno para tão vasto acervo e a Biblioteca acabaria por se mudar, em 1837, para o Convento de S. Francisco, no Chiado, passando a designar-se como Biblioteca Nacional de Lisboa.
Foi em 1969 que todo o espólio passou a ocupar o imponente edifício do Campo Grande, onde hoje se localiza a Biblioteca Nacional de Portugal.
Dos 66 mil m2 de área total do edifício, 35 mil m2 estão ocupados pelos 75 quilómetros de prateleiras. Pode dizer-se que neste espaço com torre de depósitos, ampliada entre 2008 e 2012, se guarda, em 10 andares, a verdadeira memória cultural do nosso país.
A Biblioteca recebe mensalmente cerca de 40 mil livros através do depósito legal, é a história do país que entra pela Biblioteca adentro!
Quem visita a BNP pode conhecer através das mostras patentes na Sala de Referência alguns episódios curiosos da vida da Biblioteca Nacional durante a sua existência de mais de 200 anos. Os documentos e objectos investigados e expostos dão voz a aspectos pouco conhecidos de um património onde há muito para descobrir.
Neste momento em que escrevo está exposto O Cancioneiro da Biblioteca Nacional, antigo Colocci-Brancuti. Manuscrito de 1525-1526.
Fez este ano 100 anos que, depois de algumas peripécias, o Cancioneiro foi recebido com pompa e circunstância na Biblioteca Nacional por António Sérgio, Ministro da Instrução, Leite de Vasconcelos, Raúl Brandão, entre outras figuras, e o director da Biblioteca Jaime Cortesão, que tinha ido pessoalmente a Itália para adquirir o Cancioneiro.
Este e outros tesouros estão na casa-forte da BNP, mas pontualmente alguns estão expostos ao público no âmbito da iniciativa “Histórias da história da Biblioteca Nacional”.
São preciosidades e estão na cave da torre de depósitos, onde funciona a casa-forte da BNP. Nesta casa-forte, que é a zona mais segura dentro da Biblioteca, estão aqueles documentos que têm mais valor, que são mais raros e mais importantes e que não são necessariamente os mais antigos.
É como o cofre de um banco e o acesso é muito restrito, “ninguém lá pode entrar sozinho, nem mesmo os poucos funcionários que estão autorizados”, referiu-me Paula Gonçalves, Subdirectora-Geral da Biblioteca.
A BNP tem um espólio valiosíssimo. Para além de uma colecção de documentos impressos até ao ano de 1500, tem textos originais de Sophia de Mello Breyner Andresen, de Fernando Pessoa, de Eça de Queirós, de Almeida Garrett e de muitas outras figuras da cultura portuguesa. Inclusive uma carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro a explicar a origem dos heterónimos, escrita em Janeiro de 1935.
Um dos cerca de 5 milhões de documentos existentes na BNP, e o mais antigo, é uma carta de doação de uma família a um mosteiro, carta datada de 1010, ou seja, antes da fundação de Portugal.
Nesta Biblioteca passei muitas horas. Por vezes, todas as tardes da semana depois das aulas da Faculdade. Nessa altura não imaginava que este espaço seria tão importante no meu percurso e formação. Na BNP decorrem relevantes debates, ciclos de conferências, ciclos de concertos de música, exposições, colóquios, apresentações de livros e até apresentação de filmes.
Anos mais tarde proporcionei aos meus alunos de Sociologia da Cultura e de Sociologia da Arte uma visita guiada, orientada por um técnico superior desta Biblioteca.
A Sala de Leitura Geral, espaço onde estou a escrever este texto, tem uma magnífica tapeçaria historicista alusiva à Leitura Nova da autoria de Guilherme Camarinha. A coordenação das obras de arte deve-se a Raul Lino, com quem colaboraram nomes como Leopoldo de Almeida, autor dos baixos-relevos da fachada principal, Lino António, Carlos Botelho, Jorge Barradas, Martins Correia e António Duarte, entre muitos outros.
A Biblioteca Nacional contou com o contributo de vários artistas plásticos que conferiram ao conjunto desta obra de Estado, vinculada ao Modernismo oficial, uma uniformidade estilística.
A concepção dos interiores, mobiliário e equipamentos das principais zonas públicas do edifício é de Daciano da Costa, cuja intervenção garantiu luminosidade e escala humana ao espaço conforme se pode ler no Diário da República, 2.ª série — N.º 252 — 31 de Dezembro de 2012
De referir ainda que o edifício da BNP e os jardins envolventes estão classificados como monumento de interesse público pela Portaria n.º 740-FT/2012 da mesma data.
A Biblioteca Nacional de Portugal tem parte do seu espólio com acesso por via digital e “é uma instituição de referência no quadro mais geral da cultura portuguesa” como referiu o Professor Diogo Ramada Curto, Director-Geral da BNP desde Abril deste ano, e com quem tive a oportunidade de conversar nesta mais recente visita à Biblioteca Nacional, sobre a figura do histórico Raul Proença e o seu desempenho nesta Biblioteca.
*A autora escreve de acordo com a antiga ortografia
Leia também: As bibliotecas e as suas raridades | Por Maria Luísa Francisco