Luiza Neto Jorge nasceu em Lisboa, frequentou a licenciatura de Filologia Românica, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que não concluiu, fez teatro no âmbito universitário, foi professora no então Liceu de Faro, fazendo parte da tertúlia do Café Aliança, naquela cidade com Gastão Cruz, Casimiro de Brito e António Ramos Rosa, entre outros, tendo colaborado na efémera revista Poesia 61.
A poesia de Luiza Neto Jorge (1939-1989), editada entre 1960 e 1989, “é pouco extensa, mas a sua originalidade tem grande repercussão”, afirma Cabral Martins, ex-professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Luiza Neto Jorge, que fez parte de “um dos últimos grupos de vanguarda”, publicou o seu primeiro livro, “A Noite Vertebrada”, em 1960. Em 1989, já após a morte, surgiria “A Lume”.
A edição que esta semana chegou às livrarias é a terceira da poesia completa de Neto Jorge. Numa edição de Cabral Martins, conta com a colaboração do investigador Manuele Masini, mestre em Filologia Românica, responsável pelo arquivo da escritora, e é ampliada com textos dispersos recém-recolhidos, em relação às duas posteriores, igualmente publicadas pela Assírio & Alvim.
Além destes textos, oriundos de diferentes publicações, a nova “Poesia Completa” inclui ainda poemas que aparecem nas edições originais de “A Noite Vertebrada”, “Quarta Dimensão” e “Terra Imóvel”, que não fizeram parte de “Poesia – 1960-1989”, também organizada por Fernando Cabral Martins, que a Assírio & Alvim publicou pela primeira vez em 1993 e que reforçou em 2001, com alguns dispersos.
“Poesia – 1960-1989” assentava sobretudo em “Sítios Sitiados” (1973), a primeira recolha da obra feita pela própria autora, originalmente editada pela Plátano, e “A Lume” (1989), edição póstuma, com texto fixado e anotado pelo seu companheiro, o escritor, tradutor e crítico de teatro Manuel João Gomes (1948-2007).
O “toque inconfundível” da verticalidade da palavra
Luiza Neto Jorge publicou poesia “durante onze anos, de 1973 a 1984″, refere Cabral Martins. “Mas há uma outra parte da sua obra, de longe a mais vasta, que se intensifica nesse intervalo temporal: por um lado, as traduções dos franceses, poetas como Verlaine, Nerval, Roussel ou Breton, romancistas como Boris Vian ou Céline e, por outro lado, a sua escrita para espetáculos de teatro e para filmes”.
“Não poderá associar-se o silêncio poético desses onze anos aos trabalhos que entretanto a ocupam”, afirma Cabral Martins realçando a “forte relação” de Luiza Neto Jorge com a língua francesa.
Luiza Neto Jorge viveu em Paris na década de 1960 e, tardiamente, como sublinha Cabral Martins, escreveu poemas em francês.
Sobre a sua poesia, destaca o “toque inconfundível” da “verticalidade da palavra”, numa linha de desarticulação do discurso excessivo, “em que todos os elementos resultam de uma decantação que exclui o acaso”.
Neste contexto, Cabral Martins aponta a poesia de Neto Jorge “como se fosse uma ciência, longe da retórica da expressão de si ou da agenda ideológica”, procurando “ver o que se esconde nos interstícios da sensação e da verbalização”, o que se entende no quadro da geração literária Poesia 61, da qual fez parte, e que foi “um dos últimos grupos de vanguarda” literária (com Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, Maria Teresa Horta e Casimiro de Brito).
Cabral Martins prossegue, afirmando que os poemas de Neto Jorge revelam “uma pesquisa rigorosa”.
“Tudo o que há para encontrar está, de algum modo, contido no modo de procurar. Mas há uma sobriedade na poesia assim entendida que contribui para tornar o mundo visível claro e nítido, sendo que a luz dos olhos é também uma luz mental”.
A “poesia de Luiza é descritiva. O que é raro”, salienta Cabral Martins, aproximando-a, nessa perspetiva, de poetas como Cesário Verde (1855-1886) ou Ruy Cinatti (1915-1986).
Cabral Martins refere ainda que “existem também laços da sua poesia com pintores como Carlos Cobra”, a quem ofereceu três poemas em 1966, José Escada, a cuja morte dedicou o poema “Fractura”, ou Carlos Nogueira, a quem ofereceu para o catálogo de uma exposição o poema “A Quem se Interesse”.
O investigador Fernando Cabral Martins refere ainda a amizade de Luiza Neto Jorge com o artista Jorge Martins e as “realizações conjuntas” que fizeram, nomeadamente o livro do artista “O Ciclópico Acto” (1972), a partir de um poema epónimo de Neto Jorge, ou o livro ”11 Poemas”, publicado em Silves, em 1983, em que, lado a lado, são apresentados poemas manuscritos e desenhos, assim como outras colaborações posteriores entre ambos.
Esta terceira edição da antologia de Luiza Neto Jorge inclui ainda uma lista com a origem dos poemas, desde “A Noite Vertebrada” até “Éclaircissements”, publicado neste volume com uma tradução de Cabral Martins, e originalmente publicado na revista Colóquio/Artes, em 1983.