Muito recentemente duas ativistas do movimento “Just Stop Oil” atiraram o conteúdo de duas latas de sopa de tomate sobre a obra “Girassóis”, de Van Gogh, avaliada em mais de 86 milhões de euros, em exposição na National Gallery, em Londres. De seguida, colaram as palmas das mãos à parede abaixo do quadro.
“O que vale mais, a arte ou a vida? Estão mais preocupados com a proteção de uma obra do que com a do planeta e das pessoas?”, questionaram as ativistas, enquanto eram fotografadas pelos jornalistas e detidas pela polícia.
O movimento “Just Stop Oil” quer que o governo britânico decrete o fim imediato de qualquer novo projeto de petróleo ou gás e tem chamado a atenção para o assunto através de ações realizadas em museus de arte.
Já em julho passado, ativistas deste movimento colaram-se na moldura do quadro “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci, na Royal Academy of Arts de Londres, e no quadro “A carroça de feno”, de John Constable, na National Gallery.
A onda de manifestações ocorre quando o Governo britânico abre uma nova ronda de licenciamento para a exploração de petróleo e gás no Mar do Norte, apesar das críticas de ambientalistas e cientistas que dizem que a medida prejudica o compromisso do país com o combate às mudanças climáticas.
Mas outros movimentos pelo clima têm recorrido a ações com obras de arte para protestarem. Por exemplo, ativistas do movimento “Extinction Rebellion” invadiram a National Gallery of Victoria, em Melbourne, na Austrália, e colaram as mãos ao “Massacre na Coreia” de Pablo Picasso.
Por seu turno, em maio deste ano, um homem disfarçado atirou um bolo à obra “Mona Lisa”, a mais icónica obra do Museu do Louvre, antes de dizer: “Há pessoas que estão a destruir a Terra. Todos os artistas, pensem na Terra. Foi por isso que fiz isto. Pensem no planeta.”
As questões ambientais estão cada vez mais na ordem do dia, fazendo parte do discurso político e das preocupações das pessoas em geral.
As expressões artísticas têm acompanhado estas preocupações, procurando alertar e contribuir para a tomada de consciência das pessoas relativamente às questões ambientais e para a importância da prevenção através de comportamentos mais adequados.
Aliás, os artistas envolvem-se frequentemente em movimentos sociais, expressando a grande relação das artes com o ativismo político e social.
Ao longo do século XX, muitos artistas participaram em movimentos revolucionários e libertários, usando a expressão da sua produção nas artes como meio de comunicação de ideologias nos espectadores ou no público. Os anos 60 foram ricos em manifestações artísticas inseridas em movimentos sociais, muitas vezes de caráter pacífico, que procuravam questionar os modelos políticos vigentes, nomeadamente os extremos predominantes, com uma direita capitalista, que incentivava o individualismo e o imediatismo consumista, e uma esquerda comunista, que instaurava o autoritarismo e a inibição da diversidade.
Manifestações de arte visual e musical, com performances e happenings, ocorriam muitas vezes de forma aparentemente espontânea, “invadindo” a rotina do espaço público, questionando e funcionando muitas vezes quase como contracultura, aparentemente anárquica.
O Fluxus foi um movimento que se destacou nos EUA, na Europa e no Japão, a partir dos anos 50, com objetivos claros de ativismo político nas suas expressões artísticas. O uso do próprio corpo, enquanto instrumento a favor da liberdade sexual e da igualdade de género era usado por artistas como Yoko Ono.
Mas é sobretudo nos anos 90, com o desenvolvimento da arte urbana, que a expressão visual como meio de protesto parece ter um maior incremento, sendo vários os artistas que, na atualidade, procuram ter impacto sociopolítico com os trabalhos que produzem.
Em artigos anteriores, fizemos referência aos trabalhos de alguns artistas, nomeadamente Banksy que, através de graffitis, que podemos encontrar em ruas, pontes e muros de diversas cidades do mundo, tem procurado criticar os conceitos de capitalismo, autoridade e poder.
Assim, a arte tem sido usada por ativistas artistas como forma de comunicação, permitindo sintetizar as emoções e os sentimentos sociais já existentes em relação a certas questões psicossociais polémicas, complexas e atuais, podendo ajudar a promover a reflexão e o debate sobre as mesmas.
Além disso, a arte tem sido usada por ativistas não artistas que procuram aproveitar-se do valor de certas obras de arte para manifestações de revolta contra algumas opções da sociedade capitalista que têm impacto ambiental e logo, no futuro do planeta e das novas gerações.
Ambas as formas expressam a importância da arte como instrumento de crítica e de tomada de posições políticas em relação a diversos assuntos, nomeadamente questões sociais e ambientais.
* Professor Catedrático da Universidade do Algarve;
Pós-doutorado em Artes Visuais;
http://saul2017.wixsite.com/artes