Nas comunidades humanas a língua é o elemento cultural mais influente, permite a comunicação e o entendimento entre as pessoas, tem implicações políticas, culturais e económicas.
Historicamente a introdução e imposição de uma língua à comunidade com idioma próprio representou colonização económica e cultural. As línguas de aculturação e comércio como Pierre Bordieu demonstrou são instrumentos de poder e hierarquia, constituem o “mercado da língua”, em Portugal hoje escolas superiores obrigam o uso do inglês.
Sobre o português os linguistas coincidem que a origem está no latim introduzido na Península Ibérica pelos exércitos romanos durante a “2ª Guerra Púnica” (218 a.C.) contra Cartago, pelo domínio do Mediterrâneo Ocidental. Roma foi a maior potência política, militar, marítima, comercial e cultural da Antiguidade, colonizou territórios da Ásia às Ilhas Britânicas.
As tribos ibéricas falavam dialectos, adoptaram o latim. Para além da utilidade prática o idioma foi elemento de civilização e prestígio social, impôs-se com implantação político-administrativa, mas com a derrota de Roma (séc. V) as províncias autonomizaram-se e também as línguas.
Como a etimologia, o estudo das palavras, o demonstra, o português tem influências das remotas línguas semitas, do latim, árabe, castelhano… Os moçárabes falavam um dialecto “hispano-romano”.
Nos séculos XIX-XX o estudo científico-comparativo das línguas, palavras e literaturas avançou, a linguística autonomizou-se, surgiu uma nova disciplina, a semiótica, o estudo dos signos.
Paul Teyssier da Sorbonne, autor da “História da Língua Portuguesa”, afirma que no período entre as invasões bárbaras e a chegada dos muçulmanos em 711 d.C começaram a formar-se três idiomas na península: galaico-português a oeste, castelhano na área central e catalão a leste.
De acordo com o mesmo autor, as dez vogais do latim clássico passaram a sete. No galaico-português surgiu o LH (ex: oculum – olho) e no castelhano o J (ex: ojo). Também no galaico-português se deu a queda do L intervocálico (ex.: salire – sair, dolore-dor…) e do N intervocálico (ex: corona-coroa), mas no sul do País manteve-se (Ex: granito, franganito…).
O primeiro texto conhecido escrito em português terá sido o testamento de D. Afonso II de 14 de Junho de 1214, contudo a língua não nasce num determinado dia, é um processo evolutivo.
Fernando Venâncio, linguista, escreveu numa obra recente que a língua portuguesa terá surgido 600 anos antes de Portugal, por volta dos séculos VI-VII d.C. O processo da autonomização do idioma fez-se através do “romance”, semelhante ao galego.
A análise da língua está marcada pelas tentativas de periodização. Entre 1200 e 1350 registou-se influência da poesia lírica dos trovadores provençais em galaico-português, inscritos nos “Cancioneiro da Vaticana” (compilação italiana do séc. XII), nos da “Biblioteca Nacional” (no séc. XIII com Afonso III, D. Dinis…) nas “Cantigas de Santa Maria” atribuídas a Afonso X “O Sábio”.
Até ao séc. XVI o castelhano era usado pelas classes letradas bilingues.
Considera-se que o português moderno se consolidou no século XVI, surgiram nesse período estudos linguísticos pioneiros, a “Grammatica da Linguagem Portuguesa” (1536) de Fernão de Oliveira, “Gramática da Língua Portuguesa” (1539-40) de João de Barros, “Ortografia da Língua Portuguesa” (1576), obra fundadora dos estudos ortográficos e a “Origem da Língua Portuguesa” (1606) de Duarte Nunes de Leão.
O “Cancioneiro Geral” (1516) de Garcia de Resende, é uma compilação de poemas palacianos dos séculos XV-XVI, são cerca de mil poemas na sua maioria em português com textos de Bernardim Ribeiro, Sá de Miranda, entre outros e 150 poemas em castelhano. Nesta obra surgiram tentativas de desenvolvimento da poesia épica, que revela maturidade com “Os Lusíadas” de Luís de Camões. ibra editada em 1572.
A “História da Literatura Portuguesa”, de Óscar Lopes e António José Saraiva, publicada em 1953 com 17 edições, continua hoje a ser obra de referência sobre a língua e literatura portuguesa.
O português consolidou-se e expandiu-se, saiu de Portugal para outras regiões do mundo, estima-se existirem hoje cerca de 300 milhões de falantes. A língua agregou novas palavras, recriou-se, um investigador moçambicano recentemente revelou que no português do seu País haverá cerca de 40 mil palavras de origem dialectal e a literatura vai inventando outras. São dinâmicas que não podem ser regulamentadas com exercícios de “unificação”. A evolução do idioma é imprevisível, como aconteceu com o latim, poderão surgir outros “português”.
* O autor não escreve segundo o acordo ortográfico