Por Maria Emília Cunha (Centro de Ciências do Mar – Universidade do Algarve),
e por Laura Ribeiro (Instituto Português do Mar e da Atmosfera)
A discussão sobre a autossuficiência alimentar tem sido recorrente no último ano, na sequência da pandemia COVID 19 (nome vulgar) e da guerra da Ucrânia. As limitações e condicionalismos ao transporte e distribuição de bens alimentares, e de outros produtos, vieram evidenciar as fragilidades e vulnerabilidades dos países face à sua dependência alimentar global.
Contudo a ameaça da falta de alimento poderá ser uma realidade num futuro próximo independentemente de pandemias ou guerras. De acordo, com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), em 2050 a população mundial irá atingir os 9 biliões (a maioria a viver em cidades), esperando-se um aumento significativo na procura de alimento. Para fazer face a este crescimento demográfico tem-se observado um aumento na produção de alimentos com consequente utilização de água doce, fertilizantes, emissão de gases de efeito de estufa (pegada de carbono1) e perda de importantes ecossistemas captadores desses gases, como é caso a floresta tropical (Fig. 1). A previsão da FAO para o final do séc. XXI é que existirão 11 biliões de habitantes no planeta Terra e isso implicará uma pegada de carbono gigantesca. Acresce, a este cenário, o impacto das alterações climáticas subsequentes.
Área (alimentar) Segura
Antevêem-se problemas no sector da PRODUÇÃO ALIMENTAR. Investigadores nesta temática apresentaram uma estrutura de gestão de recursos naturais que introduz o conceito de “área segura” e que é limitada por três variáveis: a quantidade de alimento que é necessário produzir face ao aumento da população, o impacto dessa produção de alimento no ambiente, e o seu efeito nas alterações climáticas resultantes. A “área segura” corresponde à zona interior delimitada pelas curvas de evolução destas três variáveis e onde produção de alimento é assegurada, minimizando os impactos ambientais (Fig. 2). Desde o início do séc. XXI que o planeta Terra está fora dessa área segura e as previsões para o futuro mantêm-se!
Para atingirmos essa “área segura”, será fundamental inovar no modo como comemos e produzimos. Para fazer face às alterações climáticas será preciso fazermos mudanças, alterar os sistemas atuais de produção de alimento, tanto agrícolas, como de gado e de pesca, ter novas formas de tratar o lixo, a água e a energia nas cadeias de abastecimento alimentar, restaurar áreas de plantações degradadas, zonas húmidas e florestas, e alterar o tipo de alimentos que consumimos.
Os alimentos e a pegada de carbono
Uma das alterações que vamos ter de fazer é consumir mais vegetais, peixe e produtos do mar e diminuir o consumo de carne de vaca e carneiro. Em resumo, privilegiar a nossa dieta mediterrânica, sustentável e alinhada com uma menor pegada de carbono. Apresenta uma diversidade de alimentos de elevado valor nutricional, em que a maior proporção é representada por vegetais, cereais e frutas e em menor proporção a proteína animal. Os vegetais apresentam um potencial de aquecimento global (kg de carbono libertado por kg de produto) muito inferior ao da carne e em especial ao de vaca e carneiro. O mesmo acontece com o peixe e produtos do mar devendo-se minimizar o consumo de carnes vermelhas.
Aquacultura marinha
Tradicionalmente os produtos do mar representam uma importante fonte de proteína para as populações. Apesar de Portugal apresentar um dos índices mais elevados de consumo de pescado do mundo, esta tendência tem-se verificado em outros países, associado a benefícios para a saúde. A captura de espécies selvagens deixou de ser um dos slogans justificativos para o baixo consumo de produtos do mar pois atualmente temos produção em aquacultura com menor impacto na natureza. Esses produtos de aquacultura constituem uma importante alternativa às formas tradicionais de abastecimento de pescado, sendo considerada um setor estratégico pelo Governo português. O decréscimo e/ou estabilidade no volume das descargas da pesca, aumentam a pressão sobre o sector da AQUACULTURA para assegurar o fornecimento de proteína à crescente população.
Mesmo na perspetiva de produção animal, os peixes apresentam um índice de eficiência alimentar muito superior ao de outros na produção pecuária (ex: o porco, a vaca). Por exemplo, um robalo necessita de cerca de 1,4 kg de alimento para crescer 1kg, enquanto uma vaca necessita de 8 kg de alimento (Fig. 3). As emissões de azoto e de fósforo, são também muito mais baixas nos peixes sendo inexistentes no caso dos bivalves. A produção em Aquacultura é mais eficiente quanto à utilização de recursos para além do impacto ambiental ser menor.
De forma a assegurar a sustentabilidade da produção em aquacultura, será importante fomentar a integração da aquacultura com a agricultura, quer em Terra como no Mar, e essa integração precisa de ser baseada em PRINCÍPIOS ECOLÓGICOS SÓLIDOS.
Mas afinal o que é AQUACULTURA ECOLÓGICA?
Muito simplesmente é uma Aquacultura que imita a forma e as funções dos ecossistemas naturais com o objetivo de produzir alimento e usa engenharia para tal.
O processo biológico inicia-se com o fornecimento de alimento de origem externa (ração), usada pelos peixes (espécie principal) para o crescimento e outras funções vitais (Fig. 4). A digestão e processamento do alimento, vai resultar na excreção de amónia e fezes. As bactérias nitrificantes aeróbicas convertem a amónia em nitrato que é usado pelos organismos autotróficos (leia-se micro e macroalgas – espécies extrativas) para produzirem nova matéria orgânica, enquanto as bactérias heterotróficas decompõem resíduos orgânicos. Estas ações contribuem para manter a boa qualidade da água. Os resíduos orgânicos particulados e as microalgas são por sua vez usadas para alimentação de filtradores (bivalves, pepinos do mar – espécies extrativas) quer na coluna de água quer junto ao fundo. Esta produção pode ser compartimentada ou em conjunto no mesmo espaço. Nada se perde, nada se cria tudo se transforma, a base de uma economia circular.
A Aquacultura Marinha, pode assegurar que comunidades costeiras sejam perduráveis ao gerar orlas marítimas ativas, fornecendo alimentos saudáveis e seguros e melhorando a qualidade do ambiente. A aquacultura de ostras, mexilhões e de algas providenciam produtos alimentares marinhos locais e ou para outras aplicações biotecnológicas, melhoram a qualidade da água, protegem contra as intempéries e providenciam habitats essenciais. É para este objetivo que as ações desenvolvidas pelo consórcio do projeto AQUA&AMBI (www.aquaambi-poctep.eu) têm contribuído, ao promover a aquacultura ecológica para reabilitar zonas abandonadas em salinas e permitir atividades económicas sustentáveis. Contudo para assegurar o fornecimento de produtos marinhos será necessário recorrer à produção em outras zonas, como a aquacultura oceânica, onde a inovação da tecnologia de mar alto, tal como as jaulas submersíveis, permite uma produção alimentar em larga escala compatível com outos usos dos oceanos.
A aquacultura de peixe em terra e em jaulas providencia alimentos marinhos sustentáveis do ponto de vista económico e ambiental e diversifica o emprego marítimo e o comércio local.
(1) A pegada de carbono é uma metodologia criada para medir as emissões de gases de efeito de estufa