As bibliotecas albergam livros raros que são preservados pelos seus técnicos e que nos permitem viajar no tempo! Nas bibliotecas que tenho visitado encontrei preciosidades que contemplei e algumas que fotografei. Há todo um ritual perante a ancestralidade das obras, por vezes, quando autorizam, temos de manuseá-las com luvas de algodão. Devido à sua raridade, fragilidade e importância, estas obras estão separadas das colecções gerais da biblioteca e não se encontram em livre acesso, dessa forma são designadas por “reservados”.
Quase todas as bibliotecas têm o Fundo Antigo onde se encontram os exemplares mais raros e publicados há mais tempo, cujo valor é avaliado em função do seu conteúdo, da sua proveniência, do estado de conservação, da sua beleza e até das anotações que possam ter. Cada vez mais é usada a digitalização, pois esta pode evitar que os originais sejam manuseados, uma vez que existem vários agentes de deterioração deste tipo de acervo, como a humidade, a temperatura, a incidência de luz, por vezes insectos, pequenos roedores e principalmente a acção humana, pelo manuseio inadequado, pelo suor das mãos, caso não sejam usadas luvas. O cuidado e o desejo de preservar têm contribuído para manter, com todos os requisitos e cuidados, obras que fazem parte do nosso património comum.
A obra mais antiga que vi é de 1472 e encontra-se na Biblioteca da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, em Lisboa. A designação mais correcta é “incunábulo” e é usada para se referir aos primeiros livros feitos com caracteres móveis (da época de Gutenberg – Séc. XV). Este incunábulo é uma edição da Etymologiae, que apresenta de forma abreviada uma grande parte do conhecimento da antiguidade que os cristãos acharam importante preservar. Foi compilado por Santo Isidoro de Sevilha já próximo do fim da sua vida, a pedido de seu amigo Bráulio, Bispo de Saragoça. Em 1997, o Papa João Paulo II declarou Santo Isidoro de Sevilha como o padroeiro da Internet. Isto porque Isidoro de Sevilha tentou registar todo o conhecimento adquirido numa espécie de enciclopédia que foi publicada após a sua morte.
Existem também na Biblioteca da Imprensa Nacional – Casa da Moeda várias edições de Os Lusíadas, quer em português, quer noutras línguas (polaco, sueco, alemão, italiano, inglês, entre outras), algumas das quais remontam ao século XVIII. Esta biblioteca tem uma edição de Os Lusíadas de 1669.
Rimas é o título da primeira compilação das poesias líricas de Luís de Camões, publicada em 1595, quinze anos após a morte do autor. A biblioteca tem uma edição de Rimas, em língua portuguesa, datada de 1614.
De referir que o «Pentateuco» foi o primeiro livro impresso em Portugal, na cidade de Faro, em 1487. Actualmente encontra-se na British Library em Londres. Sobre este tema já escrevi em outra edição. Vou com frequência à Biblioteca Municipal de Tavira que entre muitas valências tem um Fundo Antigo com algumas raridades. Possui uma obra de 1535, impressa em Veneza, da autoria de Jacopo Berengario da Carpi, professor na Universidade de Bolonha (15271530) e que foi o primeiro a descrever as válvulas do coração. Trata-se de uma edição ilustrada de anatomia intitulada Anatomia Carpi. É em Tavira que se encontra uma raríssima edição original da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto de 1614. Foi impressa em Lisboa e logo a seguir a’Os Lusíadas é o segundo livro português mais conhecido internacionalmente.
A Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), situada no Campo Grande em Lisboa, é a biblioteca onde se encontram obras mais antigas. Destacam-se a Bíblia hebraica do séc. XIII, notável exemplo de qualidade de execução e de decoração, conhecida por Bíblia de Cervera, iluminada por Joseph Asarfati, entre 1299 e 1300. Alberga também o Livro de Horas da Rainha D. Leonor, iluminado por Willem Vrelant entre 1460 e 1470 (Bruges).
Esta biblioteca é aquela onde, até hoje, passei mais horas a ler e a escrever. É a maior biblioteca portuguesa e uma instituição de referência no panorama cultural, garantindo a recolha do património bibliográfico nacional, tal como o seu processamento e preservação disponibilizando-o à comunidade intelectual e científica também através das novas tecnologias.
Não queria deixar de referir que na Biblioteca Municipal de Beja existe a primeira edição da História trágico-marítima de Bernardo Gomes de Brito de 1735 e que possui uma colecção de 2600 volumes (do Séc. XVI ao Séc. XIX). De referir ainda que existe também nesta Biblioteca a primeira edição da Prosodia in Vocabularium trilingue, que é o primeiro Dicionário de Latim-Português editado em Portugal em 1634 da autoria de Bento Pereira (Jesuíta e Professor da Universidade de Évora) e usado pelos pedagogos de Companhia de Jesus. Uma outra Biblioteca, a Biblioteca Monástico-Real do Palácio Nacional de Mafra é, de entre as várias referidas, a única onde não estive, mas que muito em breve irei visitar. É considerada das mais belas e mais importantes bibliotecas europeias, com um valioso acervo de cerca de 36.000 volumes.
Contém algumas obras raras como a “Crónica de Nuremberga” que é um famoso incunábulo publicado pela primeira vez em latim, em 12 de Julho de 1493.
Existem nesta Biblioteca diversas Bíblias antigas, Livros de Horas iluminados do Séc. XV e ainda um importante núcleo de partituras musicais, especialmente escritas para o conjunto dos seis órgãos históricos da Basílica de Mafra. Estes, por sua vez, formam “um conjunto de órgãos de tubos, único no mundo, composto por seis instrumentos concebidos e construídos ao mesmo tempo, para tocarem juntos.” Visite estes lugares de cultura, descubra raridades e deixe-se surpreender pelos tesouros que as bibliotecas guardam.
*A autora escreve de acordo com a antiga ortografia
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