O arrendamento forçado de casas devolutas é a medida mais contestada do programa Mais Habitação, que na sexta-feira começa a ser debatido no Parlamento, mas, apesar das críticas, o Governo manteve a proposta original.
O novo pacote do executivo para combater a crise na habitação esteve em consulta pública e recebeu “mais de 2.700 contributos” com sugestões e pedidos de alteração.
A versão final, aprovada em Conselho de Ministros no dia 30 de março, mantém a proposta inicial sobre o arrendamento forçado de casas devolutas, que gerou contestação de proprietários e vários partidos da oposição.
De acordo com a proposta, o Estado passa a poder, por motivos de interesse público, arrendar casas devolutas, pagando para tal uma renda ao proprietário.
A medida aplica-se a frações autónomas e partes de prédios urbanos que estejam devolutas há mais de dois anos, prazo findo o qual caberá ao “município territorialmente competente” notificar o respetivo proprietário, que terá 90 dias para “dar uso” à casa e promover as obras necessárias ou apresentar uma proposta de arrendamento ao Estado.
Lisboa e Porto já disseram que não adotarão a medida
No parecer às medidas do Governo, a Associação Nacional de Municípios Portugueses identifica o arrendamento forçado como uma das medidas que mais preocupam o poder local, desde logo porque os municípios que não cumpram a disposição serão penalizados com a suspensão das taxas agravadas de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) sobre os imóveis devolutos.
As principais autarquias do país, nomeadamente Lisboa e Porto, já disseram que não adotarão a medida.
“É uma situação que vai criar mais problemas do que soluções e nós precisamos de soluções, não precisamos de problemas”, disse, numa entrevista recente à Lusa, a vereadora da Câmara de Lisboa com os pelouros da Habitação e do Desenvolvimento Local, Filipa Roseta, levantando dúvidas quanto à operacionalização da medida.
Para a autarquia da capital, “está fora de questão” adotar o arrendamento forçado. “Temos de ser pragmáticos e não interessa muito pôr as pessoas umas contra as outras”, disse.
Também a Câmara Municipal do Porto, num documento sobre o programa Mais Habitação, que considera “confuso” e “inexequível”, sublinhou que “o Estado deve procurar colocar casas no mercado habitacional não pela usurpação do uso de propriedade privada, mas sim com medidas de natureza fiscal”.
Casas que não são consideradas devolutas
Segundo a proposta do Governo, não são consideradas devolutas para este efeito as casas de férias e as dos emigrantes, bem como as que estão vagas porque o respetivo dono se encontra num lar ou a prestar cuidados permanentes como cuidador informal e as das pessoas deslocadas por razões profissionais, de saúde ou formativas.
A lei já prevê que as empresas de água, luz, gás e telecomunicações enviem às autarquias uma lista com informação sobre consumos, sendo que a proposta do Governo acrescenta à lista a identificação matricial de cada prédio.
Linha de financiamento para os municípios poderem realizar obras coercivas
Paralelamente ao arrendamento forçado, o Governo vai criar uma linha de financiamento de 150 milhões de euros para os municípios poderem realizar obras coercivas.
As propostas de lei do Governo, que incluem outras medidas, como a suspensão de novas licenças de alojamento local ou o fim dos vistos ‘gold’, vão ser agora debatidas na generalidade em plenário da Assembleia da República, onde o PS tem maioria absoluta.
O pacote de medidas tem um custo estimado de 900 milhões de euros e propõe responder à crise da habitação com cinco eixos: aumentar a oferta de imóveis utilizados para fins de habitação, simplificar os processos de licenciamento, aumentar o número de casas no mercado de arrendamento, combater a especulação e proteger as famílias.