Os regulamentos da FIFA, dos Estatutos ao Código Disciplinar, consagram a igualdade e a não discriminação por orientação sexual, mas agentes desportivos no Mundial 2022 ficam presos por outras normas promotoras da neutralidade, explica à Lusa Alexandre Miguel Mestre.
O advogado, especialista em direito do desporto, notou a contradição inerente entre normas daquele organismo, questionado pela Lusa sobre o comportamento da FIFA e da organização do Mundial 2022, no Qatar, quanto ao uso de braçadeiras de capitão pelos jogadores, com mensagens evocativas dos direitos da comunidade LGBTQI+, da palavra “love” (‘amor’) no interior da camisola da Bélgica, e da supressão de outros símbolos e vestuário nas bancadas por adeptos que incluam a bandeira arco-íris.
Dos problemas de vestuário até à seleção alemã, que alinhou para uma fotografia antes do jogo de estreia no Mundial 2022 com as mãos a cobrir a boca, num gesto de mordaça da sua liberdade de expressão, o direito à manifestação, no relvado ou nas bancadas, tem vindo a ser uma das muitas polémicas em torno do torneio, onde após os abusos de direitos humanos contra trabalhadores migrantes se discutem também as liberdades das mulheres e os direitos LGBTQI+, dado que no Qatar a homossexualidade é crime.
Nos Estatutos e regulamentos próprios, diz, “a FIFA consagra o princípio da igualdade, na vertente da não discriminação, designadamente em razão da orientação sexual”.
Aliás, o desrespeito por estas normas “é proibido e mesmo punível com suspensão ou expulsão” para quem “contrarie esse princípio”, nota o jurista.
Esta consagração vai ao encontro de outras duas cartas importantes, uma o Código Disciplinar da FIFA, que “sanciona com suspensão de pelo menos 10 jogos” ou outra sanção disciplinar uma ofensa à dignidade da pessoa humana, incluindo em razão da orientação sexual.
Por outro lado, a FIFA é reconhecida pelo Comité Olímpico Internacional (COI) como o organismo com a responsabilidade de reger o futebol, e daí esta federação internacional fica obrigada a respeitar a Carta Olímpica.
Neste documento “está tipificada a não discriminação em razão da orientação sexual”.
Assim, seria “expectável e coerente que um atleta pudesse, mesmo em campo, manifestar-se contra a violação de direitos humanos.
“Porém, há a montante uma outra questão, paradoxalmente ou não, também vertida nas normas da FIFA. A FIFA pugna pela neutralidade, concretamente ao nível político e religioso, o que tacitamente indicia que também o pretende em sede de matérias como a causa LGBTQI+”, lembra Alexandre Miguel Mestre.
O consultor da Abreu Advogados, que colabora com a UEFA no comité de governança e ‘compliance’, refere-se, ainda, ao Regulamento de Equipamentos da FIFA, que “proíbe que os atletas veiculem nos seus equipamentos” mensagens de cariz político, religioso ou pessoal, bem como “‘slogans’ de qualquer natureza”, o que está alinhado com o regulamento específico deste Campeonato do Mundo.
Este documento, de resto, referencia até o próprio corpo do atleta, e não só o equipamento, do vestuário a garrafas de águas ou sacos médicos, e é com base nesta proibição “que a FIFA tem legitimidade para impor sanções disciplinares aos jogadores”.
Estas medidas, afirma o antigo secretário de Estado do Desporto e Juventude, não estão balizadas em termos de gravidade, isto é, podem passar ‘impunes’, com apenas uma advertência, ou passar por uma suspensão prolongada.
” [Este quadro] é dissuasor para os atletas, que temem um cenário que lhes afete seriamente a prossecução da sua carreira”, destaca o também professor universitário.