- Por Ana Marques Gonçalves, da agência Lusa
Daniel Martínez passou despercebido rumo à vitória na Volta ao Algarve, uma discrição que encontra paralelo na sua presença no pelotão, no qual nem as credenciais de vencedor do Critério do Dauphiné o tornam um ciclista popular.
Um ano depois de o belga Remco Evenepoel ter conquistado a sua segunda ‘Algarvia’, perante uma multidão deslumbrada pelo magnetismo daquela que é uma das maiores estrelas do ciclismo atual, o colombiano da INEOS é um vencedor ‘dececionante’, apesar do currículo de qualidade que possui.
Sisudo, fechado – para não dizer desagradável – e pouco dado a conversas ou sorrisos, Martínez está longe de ser um caso de popularidade entre os adeptos da modalidade, à exceção dos do seu país, uma das pátrias por excelência do ciclismo mundial.
O novo campeão da Volta ao Algarve nasceu em Cundinamarca, em 25 de abril de 1996, e cresceu no complicado bairro de Soacha, fugindo a uma vida difícil ao ritmo de pedaladas: ainda pequeno, via o irmão Jeison, ‘obcecado’ pelo ciclismo, sair todos os dias de bicicleta.
Embora quisesse ser desportista, o pequeno Martínez preferia o futebol, uma modalidade na qual não singrou por não ter talento natural. Conformado, voltou-se para a bicicleta, que pedia emprestada ao irmão de cada vez que queria participar em provas, até reunir dinheiro suficiente a vender doces na escola para comprar uma sua.
Pouco a pouco, foi sendo evidente para toda a família, incluindo para o próprio Jeison, que Daniel tinha um dom e um futuro brilhante à sua frente, perceção cimentada por várias vitórias nos escalões inferiores – foi campeão pan-americano júnior de contrarrelógio em 2013, o mesmo ano em que conquistou o título nacional de fundo na mesma categoria.
Títulos colombianos, aliás, não faltam a Martínez, que no ano seguinte se sagrou campeão júnior de contrarrelógio, captando o interesse da Team Colombia, equipa responsável por lhe oferecer o primeiro contrato, em 2015, e por lhe dar visibilidade.
Um oitavo lugar na Volta a Utah e um 13.º na Volta a França do Futuro, abriram-lhe as portas da italiana Wilier-Southeast, com a qual teve duas temporadas discretas, mas que lhe ofereceu as primeiras experiências em grandes Voltas, nas edições de 2016 e 2017 do Giro.
Apesar dos resultados modestos, as suas credenciais de trepador ‘seduziram’ a EF Education First, que viu a sua aposta recompensada com um terceiro lugar final do colombiano na Volta à Califórnia, além de um sétimo na Volta a Catalunha.
Após conquistar o primeiro de três títulos de campeão colombiano de contrarrelógio (2019, 2020 e 2022), Martínez consolidou-se no pelotão ao vencer uma etapa no Paris-Nice, no Col de Turini, um ‘aperitivo’ para o que haveria de ser o seu maior feito até ao momento: a vitória na geral do Critério do Dauphiné do ano seguinte.
Menos de um mês depois estava a ganhar uma etapa no Tour, e a INEOS, sempre desejosa de encontrar novos líderes, decidiu contratá-lo, apostando nele no Giro2021, no qual foi quinto da geral.
O colombiano ganhava destaque na formação britânica, que, na temporada passada, após uma série de resultados de destaque – ganhou a Volta ao País Basco, foi terceiro na ‘Algarvia’ e no Paris-Nice -, fez dele um dos seus três líderes para o Tour.
Nessa Volta a França ficou evidente que o consistente colombiano ainda tem muito que evoluir para sonhar com um triunfo numa grande Volta (foi 28.º), parecendo antes talhado para corridas como esta Volta ao Algarve, uma vez que os seus dotes de contrarrelogista, aliados ao perfil de trepador, tornam-no um perigoso adversário para aqueles que o subestimam.