Depois de mais de 2.500 horas a trabalhar cerca de 20 toneladas de ferro, a réplica do hidroavião que Gago Coutinho e Sacadura Cabral usaram na histórica travessia do Atlântico Sul em 1922 está concluída e em Dezembro estará pronta para “descolar” de Castro Marim e “voar” até ao jardim envolvente às piscinas municipais de São Brás de Alportel, onde ficará exposta.
É em Campeiros, no interior da Serra do Caldeirão, que Carlos Correia (re)cria, há cerca de uma ano, e com o maior detalhe possível, o terceiro e último avião utilizado na viagem de oito mil quilómetros que ligou Lisboa ao Rio de Janeiro.
“Não deve falhar aqui nada em relação ao original: o número de cilindros, o motor, que era um Rolls-Royce, o radiador, o manípulo que põe o motor a trabalhar, as saídas de ar, a cruz de Cristo, ou até a esfera armilar com o escudo lá introduzido”, destaca o escultor ao POSTAL, manifestamente entusiasmado.
Dimensões do monumento impressionam e marcarão a paisagem urbana da vila serrana
São 14,5 metros de entroncamento por 11,96 de comprimento de uma obra que resultou de um trabalho “constante, diário e muito minucioso”, por parte do criador e de dois funcionários que o ajudaram a construir, do zero, a réplica do Farey III D, baptizado de “Santa Cruz” na altura. “As medidas são exactas, o original tinha estas dimensões, igualzinho”, garante o artista.
No entanto, “o trabalho que aqui está não são apenas as oito horas [diárias, de segunda a sábado] de máquina de soldar”, realça Carlos Correia, que antes de passar à prática investiu mais de um mês na teoria. “Tive de aprofundar conhecimentos e fazer muita pesquisa, nomeadamente sobre o avião”, diz o autor, que se deslocou, inclusive, ao Museu do Ar, onde recolheu informações que lhe permitiram extrair “as medidas todas que quisesse” para consequentemente fazer “uma maquete à escala de 1 para 75”, acrescenta.
A obra do hidroavião está agora pronta, homogeneizada a cor de ferrugem, estilizada e com verniz protector, e colocada numa base em forma de sextante, que ficará inclinada – a 3,30 metros do solo na parte mais alta e a cerca de 1,80 metros na parte mais baixa – e virada na direcção do Brasil.
Visivelmente emocionado, Carlos Correia confessa que vai sentir “um grande vazio” quando vir o seu trabalho fora do ateliê. “A certa altura começamo-nos a apaixonar pela peça que estamos a executar e, mais tarde, é a peça que se apaixona por nós”, diz. Conhecido pela autoria de obras como o “Cavaleiro da Ordem”, na rotunda Sul de Castro Marim, e “O Polvo”, em Quarteira, nunca um outro trabalho tinha ocupado tanto tempo a Carlos Correia, sendo esta a maior peça que alguma vez fez em termos de dimensão e envergadura.
“Uma referência cultural” em São Brás de Alportel
Apesar de o projecto ter surgido com uma encomenda da Câmara de Celorico da Beira, que, por “problemas financeiros”, se afastou da obra quando esta “já estava 70% trabalhada”, foi à autarquia são-brasense que Carlos Correia decidiu oferecer a réplica, uma vez que Gago Coutinho terá raízes familiares na vila serrana.
Uma oferta que, para Vítor Guerreiro, “faz todo o sentido”. “Para nós é extremamente importante receber uma obra como esta porque se trata de uma grande obra de arte feita por um artista que já tem alguns trabalhos espalhados pelo nosso país e até no estrangeiro e que vai dignificar muito o nosso espaço urbano”, afirma o presidente do município.
“É também uma forma de homenagear um grande feito da história do nosso país e acaba por ser um momento alusivo àquilo que é o espírito de conquista e de aventura dos são-brasenses, muitos espalhados pelo mundo, sempre a dignificar a nossa terra”, continua o autarca.
Vítor Guerreiro acredita que a escultura vai ser “uma referência cultural” do concelho, já a partir do próximo mês. “Em princípio vamos conseguir dar esta prenda de Natal aos são-brasenses”, aponta o edil, garantindo que a autarquia está “a trabalhar no sentido de executar a base e de preparar tudo” até à época natalícia, ficando a Câmara apenas com a responsabilidade de aplicar, de cinco em cinco anos, um verniz que garanta a conservação da obra.
(Com Henrique Dias Freire)