Este ‘país esquecido’ é, sem dúvida, marcante na história de Portugal e Espanha, tendo ocupado um importante espaço na Península Ibérica, chegando a ser até, em determinado período, estado independente. Era muito usado para transporte de mercadorias, até para asilo a criminosos, dada a sua legislação especial.
Couto Misto, ou Couto Mixto (em galego), foi um microestado, um pequeno país localizado a norte da serra do Larouco, na bacia do rio Salas, na Galiza. Esta localidade encontra-se em Ourense, Espanha. Encontra-se bem próxima de Portugal, uma vez que faz fronteira com as freguesias de Padroso, Donões e Mourilhe, em Montalegre.
Em determinado momento da história, o Couto Misto existiu enquanto um microestado independente de Portugal e de Espanha, chegando a ter uma extensão de 27km2. Ao longo de quase nove séculos, fez parte da história dos dois países. A história conta-nos que este ‘país esquecido’ existiu entre o século X e 1868.
Apesar das divergências que ora iam surgindo entre Portugal e Espanha, que faziam com que os países ora estivessem unidos, ora desunidos, os habitantes de Couto Misto viviam em perfeita harmonia, com a sua própria cultura, portugueses e espanhóis.
De acordo com uma lenda da época, uma princesa desterrada, grávida, terá ficado presa num nevão enquanto atravessava a serra. Os habitantes desta localidade, que à época ainda não era conhecida como Couto Misto, salvaram a princesa de morrer enquanto dava à luz. A princesa, tendo ficado extremamente agradecida, decidiu conceder, como recompensa a estes cidadãos, a sua independência. A lenda diz que terá sido assim que começaram os diversos privilégios de que os habitantes de Couto Misto haviam de beneficiar, como nos conta o NCultura.
Os primeiros registos de Couto Misto encontram-se datados de 1147. Assim, foi no século XII que se constituiu este microestado. Contudo, a sua origem será mesmo anterior à independência da coroa de Portugal do Reino de Leão. O Reino de Portugal tornou-se independente, mas esse momento deixou as fronteiras de jurisdição pouco definidas e essa falta de clareza permitiu que algumas vilas e aldeias raianas se encontrassem numa situação política ambígua.
No Couto Misto, havia uma estrada que se chamava Caminho do Privilégio, que ligava as suas três localidades (ou seja: Rubiás, Meaus e Santiago) a Tourém. Qualquer pessoa podia atravessar esta estrada, uma vez que as autoridades não podiam prender ou perseguir ninguém, mesmo sabendo-se que havia quem fizesse contrabando, quem transportasse tabaco, sal, medicamentos, sabão, açúcar ou bacalhau. Os guardas locais tinham instruções para deixar as pessoas circularem livremente, estando por isso impedidos de intercetá-las ou de lhes apreender a mercadoria.
Também era destino apetecível para criminosos procurados pela Justiça de Portugal e Espanha, uma vez que ali não podiam ser presos. Uma vez dentro do Couto, gozavam de um estatuto distinto, não sendo privados dos seus direitos e riquezas.
Em contexto político, Couto Misto usufruía de um regime incomum. Era uma república com caraterísticas de democracia. Os cabeças de família ou de morada votavam para eleger um governo. A pessoa que detinha a autoridade máxima era um juíz, que tinha a responsabilidade de escolher duas pessoas para cada uma das povoações, os Homens de Acordo. Depois, as decisões para o governo eram consideradas e tomadas pelos moradores em praça pública.
Os habitantes do Couto Misto podiam recorrer à intervenção das autoridades de Portugal ou de Espanha, embora raramente precisassem de o fazer. Delfín Brandán foi o último “Juíz” do Couto Misto, existindo uma estátua no local em sua homenagem.
Algumas vantagens de residir em neste ‘país esquecido’ eram, por exemplo, o acesso e porte de armas ser legal. Também as pessoas podiam escolher a sua nacionalidade, sem restrições. Uma pessoa podia escolher ser portuguesa, espanhola, ter dupla nacionalidade ou até não ter nenhuma delas.
Esta realidade era especial, pois permitia que as pessoas não fossem obrigadas a prestar qualquer serviço militar, em nenhum dos países. Assim, em caso de guerra, as pessoas de Couto Misto podiam viver uma vida inteira sem serem recrutadas por nenhum exército, algo obrigatório para portugueses ou espanhóis.
O final do ‘país esquecido’ de Couto Misto terá ocorrido há mais de 150 anos. As regras deste país foram desrespeitadas frequentemente, pois as suas caraterísticas peculiares não agradavam a todos, nomeadamente aos mais poderosos.
Em 1851, formou-se a Comissão Mista que visou extinguir o Couto Misto, fazendo uma divisão do seu território pelos dois países. Com o Tratado de Lisboa, mais precisamente a 29 de setembro de 1864, deu-se finalmente um destino às terras do Couto Misto.
Atualmente, esta localidade já não existe oficialmente. No entanto, em meados de 1990, chegaram a existir esforços que visavam a proteção e conservação da identidade deste pequeno estado histórico. Já foram criadas algumas associações de forma a serem recuperadas certas tradições locais, nomeadamente o Juiz Honorário e os Homens de Acordo.
Nos dias de hoje, pode tentar atravessar aquele que foi conhecido como o Caminho do Privilégio, que se encontra entre Rubiás e Tourém, mas tenha cautela, uma vez que, quando percorrer esta estrada, já não beneficiará dos mesmos benefícios de outrora, pelo que deve cumprir a lei!
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