Um presépio de origem medieval com o menino Jesus em pé num altar de escadas coberto de panos brancos bordados e rendados decorados com laranjas e searinhas de trigo e lentilhas resiste no Algarve na quadra natalícia.
Cada pormenor deste presépio tradicional do Algarve permite contar uma parte da evolução dos costumes católicos europeus e a forma como as populações depositavam esperança nas bênçãos de Jesus, contou à Lusa um investigador da região.
Ao mesmo tempo que o presépio “representava para a gente o nascimento de Jesus, as searinhas simbolizavam a esperança que as pessoas tinham de que as searas semeadas viessem com mais abundância e [a esperança de] que o menino Jesus ajudaria”, contou Filipa Faísca, que também ajudou a montar o presépio típico do Algarve na Igreja Matriz de Querença, concelho de Loulé.
Aos 81 anos, Filipa Faísca diz ter sempre conhecido este presépio na casa dos seus pais e manteve a tradição que começa todos os anos no dia 8 de Dezembro com a plantação das searinhas de trigo e lentilhas no dia de Nossa Senhora da Conceição e acendendo um lamparina de azeite ao centro da escadaria.
Quanto às razões deste presépio com um Jesus em criança, Filipa Faísca recordou que no “outro tempo” era assim e que “havia uma canção que as pessoas cantavam, as janeiras, em que diziam que os reis já tinham ido encontrar o menino em Roma rezando missa num altar”.
Aposta no presépio medieval resulta de investigação do pároco de São Brás
A aposta neste presépio resultou de uma investigação do pároco de São Brás de Alportel, José da Cunha Duarte, que, quando chegou ao Algarve, em 1981, encetou uma busca pela serra algarvia recolhendo saberes e objectos diversos, muitos dos quais são hoje parte do espólio do Museu do Traje de São Brás de Alportel.
“O presépio algarvio que nós em São Brás de Alportel procuramos divulgar, restaurar e conservar é um presépio de raiz medieval, nasceu na Idade Média”, explicou à Lusa, observando que o nascimento de Jesus só começou a ser celebrado, ainda que timidamente, durante a liturgia no século IV.
Vários cristãos, como S. Francisco de Assis ou Santa Brígida começaram a pregar a humanidade de Cristo e a sua vida desde o nascimento até à morte e ressurreição, tendo despertado a devoção pelo menino Jesus, explicou o pároco e investigador.
“Tanta pregação, tanta pregação vai despertar a devoção ao menino Jesus e então o povo quer ter a imagem do menino Jesus”, comentou observando que o povo aos poucos começou a replicar o presépio em casa, recorrendo a gavetas das cómodas e das mesinhas de cabeceira para fazer o altar.
No século XV, as tempestades, secas, incêndios e inundações eram motivo de preocupação em França e um cardeal decidiu colocar as searinhas de trigo germinado no altar na esperança que fosse abençoado pelo menino Jesus e o cultivo fosse bem-sucedido.
O presépio, que era comum em vários cantos da Europa, acabou por cair quase no esquecimento com a Revolução Francesa.
“Os republicanos foram intolerantes. Ver na Igreja Cristo-Rei?! Impensável”, comentou o investigador José da Cunha Duarte.
Surge então o presépio onde Jesus nasce pobre e inclui a representação de várias profissões existentes na época, que se mantém popular nos dias de hoje e o presépio original acabou por resistir nas tradições algarvias.
O presépio do Jesus menino acabaria por chegar também à ilha da Madeira por via dos colonos que saíram do Algarve para aquela região, mas José da Cunha Duarte sublinha que, por lá, são colocadas outras frutas no altar.
(Agência Lusa)