A popularidade do silicone nas cirurgias de reconstrução da mama pode ser destronada no curto prazo. Os testes em humanos de uma nova geração de implantes começam já na próxima semana, noticia o jornal “The Guardian”, recordando que para muitas mulheres com implantes mamários, dar um simples passeio quando o tempo está frio pode tornar-se uma experiência desconfortável.
Algumas descrevem que sentem algo semelhante a ter uma bolsa de gelo presa ao peito porque o silicone quando sai do frio atinge lentamente a temperatura do corpo, o que significa que a sensação de desconforto pode durar algumas horas e tornar-se uma lembrança indesejada do cancro de mama para muitas mulheres que preferiam deixar essa recordação para trás.
Todos os anos, 2 milhões de pessoas em todo o mundo são diagnosticadas com cancro de mama e submetidas a um tratamento que envolve, em geral, pelo menos a remoção de uma mama. A maioria prefere não reconstruir os seis e, de acordo com o The Guardian, a percentagem das doentes que aderem a este método fica pelos 30%.
START-UPS APRESENTAM ALTERNATIVAS
No entanto, um grupo de startups quer mudar este cenário através de um novo tipo de implantes impressos em 3D que ajudam o corpo a desenvolver um novo tecido mamário que deverá desaparecer logo que o corpo o consiga criar.
“Trata-se de uma solução de implante totalmente degradável”, diz Julien Payen, presidente-executivo da startup Lattice Medical, indicando que 18 meses mais tarde não haver qualquer produto no corpo da paciente que se submeteu aquela intervenção.
Caso a nova solução vingue, poderá significar o fim da sensação de frio que acompanha quem fez transplantes com silicone, mas também pode reduzir as taxas elevadas de complicações associadas à reconstrução mamária convencional.
O primeiro teste humano desta nova geração de implantes – um implante Mattisse, da Lattice Medical – está programado para começar a 11 de julho na Geórgia. E outros se seguirão em breve. “Esperamos iniciar os ensaios clínicos em dois anos”, adianta Sophie Brac de la Perrière, presidente de outra start-up deste grupo, a Healshape.
Projetados especificamente para serem fáceis de colocar, estes implantes também promete maior rapidez na sua aplicação. Se um enxerto pode demorar entre três a 12 horas, uma inserção 3D da Lattice Medical, por exemplo, promete demorar apenas 1 hora e 15 minutos.
“É EMOCIONANTE”
Numa reação que resume o sentimento geral relativamente ao potencial deste novo processo, a professora de biomédica da Universidade de Victória, no Canada, Stephanie Willerth, sem qualquer ligação a este grupo de start-ups resume tudo em duas palavras: “É emocionante”.
“Andamos a brincar com a impressão 3D há meia década”, mas garantir um uso clínico que os médicos acreditam ser útil para os seus pacientes é fundamental para divulgar a tecnologia, justifica.
No entanto, como sublinha o jornal britânico, quanto está em causa um tema que envolve “muitos compromissos médicos difíceis, questões de acesso desigual e expectativas sobre o que as mulheres querem”, importa também perceber qual será o impacto real da nova tecnologia.
Hoje, a reconstrução mamária envolve dois segmentos principais: o silicone e os enxertos que obrigam os cirurgiões a trabalhar com tecido retirado do estômago, pernas ou costas.
O FIM DOS OBJETOS ESTRANHOS NO CORPO?
Para os clínicos, esta é, aliás, a solução mais recomenda porque apesar de envolver um período de recuperação mais longo, promete resultados mais longos e duradouros.
Aliás, os implantes de silicone exigem uma substituição a cada 10 anos (o intervalo de tempo pode ser alargado) e estiveram envolvidos em vários escândalos, como em 2010, quando um grande fabricante usou material de origem duvidosa, ou em 2018, quando um certo tipo de implantes foi associado ao risco de um linfoma raro.
“E, como mostra um estudo americano do ano passado, antes de mais, é a ideia de ter um objeto estranho preso dentro do corpo que adia a reconstrução por completo”, refere o artigo.
No caso desta nova geração pronta a entrar em fase de testes, o objetivo, diz Brac de la Perrière, “é oferecer os benefícios das diferentes soluções sem as suas restrições”. Ou, dito de outra forma: oferecer uma cirurgia única e simples, sem nenhum material estranho remanescente para causar problemas no corpo.
E como se consegue isso? Nesta fase há já diferentes propostas: A Healshape usa um hidrogel para imprimir em 3D um implante macio que será lentamente colonizado pelas próprias células de gordura da pessoa e desaparece no prazo de 6 a 9 meses.
A CollPlant desenvolveu algo semelhante usando uma biotinta de colágeno especial, extraída de folhas de tabaco geneticamente modificadas para produzir colágeno humano.
A INCÓGNITA DA SENSIBILIDADE
Independentemente da solução escolhida, “uma grande incógnita é a sensibilidade que os tecidos regenerados terão”, sublinha o artigo sem esquecer que uma mastectomia é, em geral, acompanhada de alguma perda de sensação e como lembra a cirurgiã plástica Stefania Tuinder, do Centro Médico da Universidade de Maastricht, nos Países Baixos, “a reconstrução também afeta essa sensibilidade”. “Os nossos dados indicam que os implantes têm um efeito negativo na sensibilidade, o que significa que a sensação na pele será menor do que quando se faz apenas uma mastectomia”, afirma. Já a reconstrução através de um enxerto, deixa em aberto a possibilidade de se recuperar alguma sensibilidade ao fim de alguns anos.
A medica admite que a dormência associada ao implante pode dever-se a danos causados nos nervos no momento de inserção dos implantes, uma vez que não podem voltar a crescer se forem bloqueados por um pedaço de silicone. Não sabe se isso também irá acompanhar os novos implantes, mas acredita haver esperança de que a sensibilidade aumente, uma vez que não estão previstos bloqueios.
Outro desenvolvimento em curso nesta área passa pelo aperfeiçoamento de uma técnica de reconstrução que recorre a injeções da gordura da própria pessoa, reforçadas com células-tronco para ajudar o tecido a sobreviver. Neste caso, os médicos ainda estão na fase de debater a segurança a longo prazo, até porque está em causa um procedimento que pode ter de ser repetido várias vezes.
A ALTERNATIVA IDEAL: EVITAR A MASTECTOMIA
E mesmo com todas as ofertas e desenvolvimentos da ciência, os médicos sabem que muita doentes não querem a reconstrução, apesar desta poder ser integrada no processo de tratamento, depois da mastectomia, e da quimioterapia ou radioterapia, como que a marcar uma linha de chegada.
O quadro é especialmente delicado quando é apenas removida uma mama e a doente quer retirar a outra para o seu corpo parecer mais simétrico em vez de avançar para a reconstrução. Enfim, equacionadas todas as soluções em cima da mesa, do lado dos médicos parece claro que o ideal seria poder oferecer uma outra alternativa: não ser preciso passar por uma mastectomia.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL