A guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que ultrapassa os dois anos e meio de duração, continua a alimentar cenários de escalada global que preocupam a comunidade internacional. Entre as possibilidades mais temidas está a eclosão de um conflito entre a NATO e a Rússia, com consequências imprevisíveis. Com o envolvimento crescente de soldados norte-coreanos e as ameaças de Vladimir Putin em usar armamento nuclear, o debate sobre como Portugal, membro da NATO, se mobilizaria em caso de guerra intensifica-se.
Desde o fim do serviço militar obrigatório em 2004, as Forças Armadas portuguesas têm operado num modelo profissional e voluntário, em contraste com países como a Rússia, que mobilizou mais de 300 mil reservistas no início da invasão. Porém, num cenário de conflito direto, Portugal seria obrigado a recorrer a um plano escalonado que envolve o contingente militar ativo, reservistas e, como último recurso, civis, como explica o Executive Digest.
Defesa coletiva: o papel da NATO e o alerta de um tenente-general
Caso a NATO se visse perante uma agressão russa, seria ativado o Artigo 5.º do tratado da aliança, que estabelece a defesa coletiva. Este princípio já foi invocado apenas uma vez, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Contactado pela Executive Digest, o tenente-general Marco Serronha explicou que a resposta da NATO baseia-se num sistema de alertas graduais:
“Isto vem do artigo 5.º da NATO, que diz que é responsabilidade de todos os membros defenderem a agressão ou a iminência da agressão. Neste caso concreto, não é preciso a Rússia dar um tiro para a NATO agir, basta os serviços de informações militares da aliança darem o alerta dessa possibilidade para imediatamente a NATO desencadear os mecanismos de alerta rápido que tem de planeamento de defesa militar.”
O especialista sublinha que a capacidade de resposta da NATO depende da unanimidade entre os membros, um processo que pode ser demorado e prejudicar a eficácia. “Pode haver um boicote do sistema, porque tem de haver unanimidade na decisão. Há aqui um processo que demora tempo, e essa demora pode prejudicar a resposta da NATO.”
Quem seria mobilizado em Portugal?
Atualmente, Portugal dispõe de cerca de 27 mil militares no ativo, distribuídos entre Exército, Marinha e Força Aérea. Em caso de necessidade, seriam inicialmente mobilizados os reservistas, divididos entre reserva ativa (com funções administrativas) e reserva fora da efetividade. Estes dois grupos somam cerca de 8 mil militares, elevando o total para 35 mil.
Se este contingente fosse insuficiente, a Lei do Serviço Militar, de 1999, prevê a convocação de civis com idades entre os 18 e os 35 anos, embora a aplicação prática desta medida careça de regulamentação específica.
Numa mobilização de grande escala, a prioridade recairia sobre os mais jovens, que seriam sujeitos a uma formação militar de cerca de seis meses. Com base em dados do Instituto Nacional de Estatística, Portugal conta com mais de 1,5 milhões de cidadãos nesta faixa etária, permitindo a mobilização de cerca de 100 mil pessoas, se necessário.
O papel de Portugal na NATO e o apoio à Ucrânia
Desde o início da guerra na Ucrânia, Portugal tem desempenhado um papel ativo no âmbito da NATO. Em 2022, o Conselho Superior de Defesa Nacional aprovou a mobilização de 1500 militares para reforçar as operações da aliança, além de enviar equipamento militar à Ucrânia.
A opinião pública, contudo, mostra-se dividida. Apenas 19% dos portugueses apoiam uma intervenção direta da NATO na guerra, preferindo o envio de apoio logístico e armamento. No entanto, 55% concordam com uma mobilização excecional para reforçar os compromissos da aliança.
Uma lição da história: da Guerra Colonial ao presente
A última grande mobilização em Portugal remonta à Guerra Colonial (1961-1975), quando mais de 300 mil militares foram destacados para teatros de operações em África. Este período revelou não só as dificuldades logísticas de sustentar um esforço militar prolongado, mas também elevados índices de deserção, com mais de 8 mil casos registados.
No contexto atual, a preparação militar de Portugal para uma eventual escalada global enfrenta desafios semelhantes, mas com uma população mais cética e um cenário internacional profundamente interligado.
Embora a guerra na Ucrânia pareça distante, a sua evolução tem implicações diretas para os compromissos de Portugal no seio da NATO. E, caso o conflito escale para um cenário global, o país terá de decidir como mobilizar e proteger os seus cidadãos enquanto cumpre as suas responsabilidades internacionais.
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