Oleksandra, Mykhailo e Anastasiya vivem na Ucrânia, mas os pais estão na Rússia. Apesar dos relatos na primeira pessoa, as suas famílias não acreditam no que está a acontecer.
“Assustou-me mesmo quando a minha mãe citou exatamente a televisão russa. Estão a fazer uma lavagem cerebral às pessoas e as pessoas confiam neles”, disse Oleksandra à BBC. “A minha cidade está a ser bombardeada, mas a minha mãe na Rússia não acredita em mim.” A jovem de 25 anos está refugiada com os quatro cães na casa de banho no apartamento onde vive em Kharkiv.
Desde o início da guerra tem conversado regularmente com a mãe, que vive em Moscovo, mas esta – apesar daquilo que a filha lhe conta e dos vídeos que lhe envia – não acredita em Oleksandra. “Não queria assustar os meus pais, mas comecei a dizer-lhes diretamente que civis e crianças estão a morrer. Ainda que eles se preocupem comigo, continuam a dizer que provavelmente acontece apenas por acidente, que o exército russo nunca os iria ter como alvo civis. Que os ucranianos é que estão a matar o seu próprio povo.”
Nos órgãos de comunicação russos passa apenas a versão dos factos oficial do Kremlin e os meios que não sigam esta linha têm sido sucessivamente fechados. Continua a falar-se numa “operação militar especial” e palavras como “guerra”, “invasão” ou “ataque” estão proibidas. Em contrapartida, as mortes de civis ucranianos estão a ser atribuídas às próprias forças ucranianas e a narrativa difundida é a de que as forças russas estão apenas a atacar alvos militares, não representando um perigo para civis. E as manifestações antiguerra em cidades russas, que resultaram na detenção de centenas de pessoas, não foram noticiadas nos principais canais. Os cidadãos russos que publiquem “informações enganosas” sobre o exército ou apelem a sanções podem ser condenados a 15 anos de prisão.
Esta versão daquilo que se está a passar aprofunda a distância entre as famílias que estão separadas pela fronteira. Tal como a mãe de Oleksandra, o pai de Mykhailo também não acredita nele. O dono de um restaurante em Kiev levou a mulher e filhos para a Hungria, mas voltou à Ucrânia para se juntar aos esforços de guerra. Inicialmente, estranhou não ser contactado pelo pai que vive na Rússia, mas quando falaram finalmente, o pai disse-lhe que os russos estavam a salvar a Ucrânia dos nazis.
O mesmo aconteceu à correspondente da BBC em Kiev. Anastasiya ligou à mãe com medo quando começou a ouvir os bombardeamentos em Kiev. A mãe (que vive numa vila a 20 quilómetros de Donbass para já controlada pela Ucrânia, mas que vê televisão russa e tem o relógio acertado com a hora de Moscovo) estava calma e disse-lhe para não ter medo, que a Rússia nunca bombardearia a capital. Quando a filha reafirmou que tal já tinha acontecido e que tinha morrido civis, a mãe disse-lhe “mas isso também aconteceu quando os ucranianos atacaram Donbass”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL