Há tatuagens que só um Hell Angel pode ter. Melhor: tem de ter. Por exemplo: 81. Símbolo da oitava e da primeira letra do alfabeto: HA, as iniciais do grupo de motards com chapters, ou delegações, espalhadas pelo mundo inteiro.
Em Portugal, há cinco em cidades como Lisboa, Porto ou Setúbal, rebatizada pelo grupo como “Darkland”. 89 membros deste grupo associado tanto ao estilo de vida motard como a crimes como o tráfico de droga estão a ser julgados no Tribunal de Loures por, entre outros crimes, terem montado uma cilada que tinha como alvo Mário Machado, neonazi e líder de um grupo motard rival, “Los Bandidos”.
Cinco meses depois de o julgamento ter começado, a juíza Sara Pina Cabral fez um despacho a ordenar que PJ fotografasse os corpos tatuados dos suspeitos à procura de símbolos de pertença ao grupo como “AFFA”, (Angels Forever Forever Angels); “Filthy Few” e “Filthy 666 Few”, (poucos e malvados, tradução livre) ou “Dequaillo”, (quem usou, lutou contra a lei ou esteve preso).
Os arguidos recusaram-se, alegando “humilhação” e reclamaram da decisão do tribunal. Mas em novo despacho a que o Expresso teve acesso, a magistrada insiste na necessidade do exame que considera “absolutamente necessário” e recusa o argumento da humilhação alegando que os suspeitos serão fotografados “em privado”, “perante órgão policial” e com “os mesmos trajes que usam em locais de exposição pública como a praia”.
A esmagadora maioria dos arguidos vai recorrer desta decisão e há 26 que vão mesmo recusar-se a cumpri-la caso a juíza entenda que o recurso não tem efeito suspensivo ou que a Relação de Lisboa dê razão à magistrada.
NÃO MOSTRO
“Os meus clientes não vão cumprir a ordem mesmo que incorram no crime de desobediência”, assegura José Carlos Cardoso. Porquê? “Porque este exame é uma violação do direito à privacidade dos arguidos e porque já foram fotografados quando foram detidos pela PJ. Não há necessidade de estar a repetir um exame que é humilhante. Além disso, só provam que um arguido pertence ao grupo, não provam a prática de qualquer crime”.
No despacho, a que o Expresso teve acesso, a juíza antecipa estes argumentos e defende que os exames feitos pela PJ na altura da detenção são “insuficientes” e que os arguidos não têm “direito de recusa”.
O Expresso contactou vários advogados do processo e todos garantem que vão recorrer com uma exceção. “Os meus clientes já foram fotografados, mas se o tribunal entende que deve gastar tempo e dinheiro ao Estado, não nos vamos opor”, diz Aníbal Pinto, que representa dois arguidos.
Carlos Melo Alves, que defende seis arguidos, considera que este exame é um “método proibido de prova” porque obriga os arguidos a colaborarem na “produção de prova” ferindo assim o princípio da “não-incriminação”. Vai recorrer da decisão da juíza para a Relação de Lisboa.
A operação da PJ contra este grupo de motociclistas com ramificações no mundo inteiro foi lançada em junho de 2018, antes da concentração motard de Faro. Em causa, para além de crimes de tráfico de droga e associação criminosa, estava uma cilada montada contra Mário Machado, condenado por vários crimes e que tentava fundar em Portugal um “chapter” de “Los Bandidos”. Escapou a um espancamento, porque se escondeu na casa de bando de um restaurante no Prior Velho.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL