O prenúncio de que algo ia acontecer estava bem à vista e os avisos chegavam de todo o lado.
Uma das chamadas de atenção é feita por Zbigniew Rau logo que assume, em janeiro, a presidência rotativa da OSCE, Organização para a Segurança e Cooperação na Europa. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia diz que a Europa enfrenta o maior risco de guerra dos últimos 30 anos.
No fim do mês, mais um alerta. O alto representante da União Europeia para a Política Externa, Josep Borrell, afirma que a Europa “está a viver o momento mais perigoso desde a Guerra Fria”, devido à crise com a Rússia por causa da Ucrânia.
“A Rússia está a fazer uma guerra de nervos, por isso temos de ser firmes”, escreve num artigo publicado no seu blogue “Uma janela sobre o mundo”.
Quatro dias antes da invasão, também a NATO alerta o Mundo para o maior destacamento russo na Bielorrússia desde os tempos da Guerra Fria. Moscovo desmente qualquer intenção bélica.
NATO É “AMEAÇA DIRETA À SEGURANÇA DA RÚSSIA”
Logo a seguir, é a vez dos Estados Unidos avisarem que a Rússia tinha dado ordens para invadir a Ucrânia. Vladimir Putin justifica-se. O Presidente diz que a Rússia enfrenta uma ameaça “muito grave” na Ucrânia, acusa o país de ser uma “marioneta” dos EUA e de querer atacar a Rússia com armas nucleares.
Num discurso duro, Putin afirma que a Ucrânia moderna foi “criada” pela Rússia e ataca a ideia da Ucrânia de se juntar à NATO, defendendo que seria uma “uma ameaça direta à segurança da Rússia”. Acusa ainda os Estados Unidos de estarem constantemente a espiar a Rússia e de, juntamente com a NATO, estarem a transformar a Ucrânia num “teatro de guerra”.
PORQUE É QUE PUTIN ENVIA MILITARES PARA A FRONTEIRA?
Desde o fim da Guerra fria, a NATO expande-se para o Leste, incorporando 14 novos países, entre os quais três países do antigo Pacto de Varsóvia, a República Checa, Hungria e Polónia, e outros três que fizeram parte da União Soviética – a Lituânia, Estónia e Letónia.
A Rússia olha para a adesão desses países, alguns cujos territórios são contíguos à Rússia, como um perigo iminente às suas fronteiras.
A Ucrânia não é membro da NATO, mas tem um compromisso desde 2008 para uma possível adesão. Desde a queda do Presidente ucraniano pró-Rússia Víktor Yanukóvytch, em 2014, a Ucrânia aproxima-se politicamente do Ocidente. Realiza exercícios militares conjuntos com a NATO e recebe armas dos Estados Unidos e drones da Turquia.
Kiev e os EUA olham para estas manobras como movimentos legítimos para reforçar a defesa da Ucrânia depois da crise da Crimeia em 2014. No entanto, Putin vê com perigo a aproximação da Ucrânia à NATO. Segundo o Presidente russo, a NATO pode usar o território ucraniano para atacar Moscovo e, por isso, tem defendido linhas vermelhas para evitar um ataque.
É com base nestes argumentos que Putin envia milhares de militares para a fronteira entre os dois países, negando, contudo, estar a preparar uma invasão à Ucrânia. O Presidente russo alega que o posicionamento das tropas russas é uma resposta a ameaças e provocações. Vladimir Putin quer garantir que a Ucrânia não adere à NATO.
Jornalista: Ana Luísa Monteiro
O EPICENTRO DA TENSÃO
No terreno, agravam-se os confrontos a leste da Ucrânia, onde a guerra se mantém desde 2014 e continua a retirada, para o território russo, de milhares de pessoas que vivem em Donetsk e Lugansk.
Apesar das ameaças de retaliação por parte dos países ocidentais, Putin reconhece a independência dos territórios separatistas pró-Rússia de Donetsk e Lugansk. O Exército é de imediato mobilizado para o leste da Ucrânia para uma “manutenção da paz”.
O Kremlin nega as acusações de querer recuperar o império soviético.
O reconhecimento diz respeito à independência de dois territórios pró-russos do Donbass ucraniano, que se autoproclamaram repúblicas, Donetsk e Lugansk, onde decorre um conflito há oito anos que já provocou mais de 14 mil mortes.
Um reconhecimento por parte de Moscovo destas repúblicas provoca um curto-circuito no processo de paz resultante dos acordos de Minsk de 2015, assinados pela Rússia e pela Ucrânia, sob mediação franco-alemã, já que estes visavam, precisamente, um regresso dos territórios à soberania ucraniana.
Logo após o anúncio, são ouvidas explosões em Kiev e em várias cidades do leste e do sul da Ucrânia. O Presidente da Ucrânia alerta para uma “grande guerra” na Europa e diz que há mais de 200 mil soldados russos na fronteira.
A tensão na Ucrânia faz cair as bolsas europeias, a de Moscovo dá o maior tombo desde a crise de 2008, e o preço do barril do petróleo dispara para o valor mais alto dos últimos sete anos.
O Presidente da Ucrânia diz que pretende seguir a via diplomática, mas garante que não vai ceder qualquer território à Rússia.
Imagens de satélite mostram o desenvolvimento militar, com mais de 100 veículos e dezenas de tendas, no sul da Bielorrússia, perto da fronteira com a Ucrânia.
Vladimir Putin insiste que os interesses e a segurança do país “não são negociáveis”, mas diz estar pronto para encontrar “soluções diplomáticas”.
A INVASÃO
Na madrugada de 24 de fevereiro, por volta das 3:00 em Portugal continental, o Presidente da Rússia anuncia uma operação militar na Ucrânia e pede aos militares que “deponham as armas”, garantindo que o objetivo não é a ocupação, mas a desmilitarização do país.
Putin avisa que qualquer país que tente interferir terá “consequências nunca antes vistas”.
Assiste-se à fuga da população da capital ucraniana. O receio aumenta à medida que surgem informações sobre a intenção de atacar Kiev e a possibilidade de haver ataques aéreos.
O Mundo sai à rua contra a invasão à Ucrânia. Em várias cidades russas, de acordo com as agências de informação internacionais, mais de mil pessoas são detidas por protestarem contra a decisão de Putin.
Várias cidades ucranianas são alvo da investida russa. O Presidente ucraniano diz que o país foi “deixado sozinho” no conflito contra a Rússia. Zelensky ordena a mobilização das forças militares e proíbe os homens dos 18 aos 60 anos de abandonarem o país. O governo incentiva a população a fazer “cocktails molotov” para atrasar o avanço das tropas russas.
“A GUERRA ESTÁ AQUI. EU PRECISO DE MUNIÇÕES, NÃO DE UMA BOLEIA”
Volodymyr Zelensky recusa também a ajuda norte-americana para sair da Ucrânia. “A guerra está aqui. Preciso de munições, não de boleia”, responde.
Tropas e blindados russos chegam entretanto à zona norte do distrito de Kiev. Vladimir Putin dirige-se aos ucranianos para lhes pedir que derrubem o governo e ordena às tropas que avancem para Kiev e aumentem os ataques com mísseis contra alvos militares ucranianos.
A resistência ucraniana vai travando o avanço das tropas russas. Civis, muitos sem experiência militar, fazem fila para defender o país.
Desde o início do confronto, todos os dias são anunciadas novas sanções à Rússia.
Alguns exemplos de sanções à Rússia |
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Conselho Europeu aprova um pacote de pesadas sanções contra a Rússia |
Final da Liga dos Campeões 2021/22 deixa de ser em São Petersburgo, na Rússia, e passa para Paris |
FIA cancela o Grande Prémio da Rússia |
Rússia é excluída do 66.º Festival Eurovisão da Canção |
OCDE anuncia que vai pôr fim ao processo de adesão da Rússia |
Reino Unido congela bens de Putin e do ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov |
O grupo de hackers Anonymous declara guerra ao regime de Putin |
UE, EUA e Reino Unido bloqueiam o sistema internacional de comunicações bancárias a bancos russos |
A organização do Campeonato do Mundo de voleibol de 2022 é retirada à Rússia |
A Disney diz que não vai lançar novos filmes na Rússia |
A gigante da tecnologia Apple suspende a venda dos seus produtos na Rússia |
Clubes russos e seleções suspensos de todas as competições. A UEFA rescinde o contrato de patrocínio com a Gazprom, empresa estatal russa |
A 27 de fevereiro, Portugal suspende a apreciação de vistos gold a cidadãos russos e envia equipamento militar para a Ucrânia: espingardas G3, coletes, capacetes e granadas.
Já a UE, os EUA e o Reino Unido acordam em bloquear o sistema internacional de comunicações bancárias Swift a alguns bancos russos.
O sistema financeiro Swift movimenta diariamente incontáveis biliões de dólares em mais de 11 mil bancos e outras instituições financeiras em todo o mundo.
A União Europeia anuncia que, pela primeira vez, vai financiar a compra e entrega de armas e equipamento militar a um país sob ataque.
PUTIN AMEAÇA COM FORÇA DE DISSUASÃO RUSSA
No terreno, continuam os ataques. Em Kiev, centenas de pessoas concentram-se na estação central de comboios para tentar fugir.
Vladimir Putin coloca em alerta a “força de dissuasão” do Exército russo, que inclui a componente nuclear.
A Amnistia Internacional denuncia o uso de bombas de fragmentação contra civis, incluindo crianças, e defende que o caso deve ser investigado como “crime de guerra”.
A 28 de fevereiro, as delegações ucranianas e russas sentam-se à mesma mesa na cidade bielorussa de Gomel, mas não conseguem chegar a acordo. No mesmo dia, o Presidente ucraniano assina o pedido formal para a entrada do país na União Europeia.
Entretanto, são divulgadas várias imagens de satélite que mostram um extenso comboio militar russo, ao longo de mais de 60 quilómetros, a noroeste de Kiev.
No primeiro dia de março, no discurso sobre o Estado da União, o presidente dos EUA diz que “a liberdade triunfará sobre a tirania” e que o Presidente Putin “pagará pelo que fez”.
Uma semana depois da invasão, o Presidente da Rússia garante que as tropas estão a conseguir alcançar os seus objetivos na Ucrânia. Referindo-se aos militares russos como “heróis”, Putin deu o exemplo de um soldado que preferiu fazer-se explodir com uma granada a ser capturado pelos ucranianos, que acusou de estarem a “torturar” os soldados russos.
É também neste dia que decorre a segunda ronda de negociações de paz entre Ucrânia e Rússia. Mais uma vez, termina sem a Paz à vista.
A AMEAÇA NUCLEAR
Ao nono dia de guerra, as tropas russas tomam o controlo da central nuclear de Zaporizhzhia, após combates no terreno que originam um incêndio perto das instalações da maior central nuclear da Europa. A Agência Internacional de Energia Atómica garante que não são registadas mudanças nos níveis de radiação emitidos.
O Presidente da Ucrânia acusa Moscovo de recorrer ao “terror nuclear” e de “querer repetir” a catástrofe de Chernobyl.
“Se houver uma explosão é o fim de todos, é o fim da Europa. Só a ação urgente da Europa poderá travar as tropas russas, não permitam que uma catástrofe numa central nuclear seja o fim da Europa. A Europa tem de acordar agora. (…) Os carros de combate russos que dispararam sobre a central (…) são equipados com câmaras térmicas, ou seja, sabem bem para onde disparam. Eles preparam-se para isto.“, avisa Zelensky.
O Kremlin tem outra versão, fala em sabotagem e diz que o incêndio foi provocado por “sabotadores ucranianos”.
AS EXIGÊNCIAS DE PUTIN
Numa conversa telefónica, esta sexta-feira, com o chanceler alemão, o Presidente Vladimir Putin afirma que a Rússia está disponível para dialogar com os ucranianos logo que “todas” as suas exigências sejam aceites.
A iniciativa parte do chanceler alemão, Olaf Scholz, que liga ao Presidente da Rússia a pedir o fim imediato dos combates na Ucrânia e que se mostre disponível a dialogar. Do outro lado, porém, não ouviu o que desejaria.
Putin afirma, segundo a agência France Press, que um diálogo com a Ucrânia não será possível até que “todas as exigências russas” sejam aceites.
UCRANIANOS EM FUGA
Desde o início da invasão russa, mais de 1,2 milhões de pessoas fugiram da Ucrânia, de acordo com o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR).
Durante a semana, as Nações Unidas já tinham admitido que mais de dez milhões de pessoas podem sair da Ucrânia. A ONU apontou ainda que mais de quatro milhões de refugiados em fuga dos combates também vão necessitar de apoio.
A União Europeia, através do comissário europeu para a Gestão de Crises, Janez Lenarčič, avisou que a Europa deve preparar-se para a possibilidade de uma crise humana de “proporções históricas”.
“Assistimos ao que se pode tornar na maior crise humana no nosso continente desde há vários anos”, afirmou o comissário.
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