Com o lema “Tempo de agir: por uma recuperação justa, verde e digital”, o Governo Português assume a Presidência do Conselho da UE no primeiro semestre de 2021. Todos os olhos estão postos em Portugal, numa altura em que é necessária uma recuperação económica pós-pandemia e colocar em prática o Pacto Ecológico Europeu. Porém, mais do que usar a palavra “verde” ou dizer frases bonitas como “sem deixar ninguém para trás”, queremos ver implementadas medidas excecionais para sairmos de crises – sanitária, socioeconómica e climática – também elas, excecionais. Estamos cansades de promessas vazias!
No programa da Presidência portuguesa, 2 das 3 grandes prioridades abrangem o clima: promover uma recuperação europeia alavancada pelas transições climática e digital, e concretizar o Pilar Social Europeu. Para tal, são apresentadas 5 linhas de ação estratégicas, uma Europa: Verde, Resiliente, Digital, Social e Global. O primeiro ministro António Costa fez questão de destacar que “estamos em emergência sanitária, mas continuamos em emergência climática”, apelando à concretização do Pacto Ecológico Europeu para combate às alterações climáticas, nomeadamente através da aprovação da nova Lei do Clima a nível europeu. Importa reter as conclusões das reuniões do Conselho Europeu a 11 e 12 de dezembro de 2020: assumir o compromisso de coletivamente atingir uma redução de 55% das emissões até 2030, em relação a 1990, com o propósito de cumprir o objetivo de neutralidade carbónica em 2050 e os do Acordo de Paris de 2015; alcançar a nova meta de forma a preservar a competitividade da UE e a ter em consideração questões de justiça e solidariedade, ou seja, as circunstâncias de cada Estado-Membro, nomeadamente, os diferentes pontos de partida e os esforços já desenvolvidos
Por sua vez, o Parlamento Europeu pretende ir mais além da Comissão Europeia, por considerar que as suas ambições são insuficientes. Neste contexto, aprovou um corte de 60%, justificando-o como sendo a única maneira de “estar em linha com a ciência” e exigiu um conjunto de medidas mais ambiciosas. Estas incluem o estabelecimento de uma meta adicional para que em 2040 que seja “legalmente vinculativa” e o objetivo último de “emissões negativas” após 2050, o que implica apostar na extração de CO2 da atmosfera através da fotossíntese. Mas nada será possível sem financiamento, e para procurar chegar a compromissos nas negociações da Lei Europeia do Clima deverão ser mobilizados outros mecanismos abrangidos pelo Pacto Verde. É por isso, extremamente importante gerir eficazmente o pacote do Quadro Financeiro Plurianual 21-27/Next Generation EU, nomeadamente, o Mecanismo para uma Transição Justa. A aplicação do fundo deve ser acompanhada de fiscalização, a fim de garantir que a ação climática é integrada transversalmente em todas as políticas e programas financiados.
A Lei Europeia do Clima tem encontrado resistência por parte daqueles que a consideram insuficiente para reverter o aquecimento global ou demasiado ambiciosa para as suas economias (como países da Europa Leste, cujas economias se baseiam maioritariamente em indústrias dependentes de combustíveis fósseis, e que têm bloqueado a adoção de metas mais ambiciosas no Conselho Europeu). Perante a combinação energética que o Mecanismo para a Transição Justa engloba, vários países não hesitaram em apelar ao financiamento de projetos de energia nuclear e de gás “natural”, esquecendo-se que ambas as opções não são solução para a crise climática. O lixo nuclear é radioativo e o gás “natural” é tão natural quanto o petróleo, é um combustível fóssil. E desengane-se quem acha que é através desse gás “fóssil” que vamos proceder a uma transição energética sustentável. Precisamos de medidas eficazes se queremos tornar a UE no 1.º bloco a atingir a neutralidade carbónica. Mas tal tem de acontecer em 2030, e não em 2050 como tem sido discutida. Como se atrevem a dizer que é “tempo de agir”, enquanto empurram a neutralidade carbónica para daqui a 29 anos?
A resolução da crise climática não será alcançada com promessas vazias e investimento em indústrias que agravam a mesma. Mencionado como prioridade, o Pacto Ecológico Europeu constitui o plano de ação para conduzir a UE num caminho para uma economia descarbonizada e circular, com investimento na redução da poluição, restauração da biodiversidade, e proteção das pessoas. Contudo, o documento carece de caráter vinculativo e obrigações legais concretas. A criação de uma Lei Europeia do Clima vem efetivar este compromisso político numa obrigação jurídica. No entanto, a luz ao fundo do túnel não passou de uma miragem; e os ministros parecem estar a conduzir-nos ao caos climático, enquanto cidadãos europeus pedem mais ação climática. Não conseguimos ter uma Lei Climática forte sem: cessar a subsidiação dos combustíveis fósseis; um Conselho Europeu sobre Alterações Climáticas que forneça dados e sugestões baseadas na ciência, e transparência nas ações climáticas da UE de forma independente; facilitar que indivíduos iniciem processos jurídicos caso algum Estado-Membro falhe em cumprir os requerimentos da Lei do Clima Europeia; e um objetivo de corte de emissões para 2030 verdadeiramente concordante com os cientistas – pelo menos 60-79% das emissões.
Interessante como os nossos decisores políticos não perdem tempo a aprovar fundos para recuperar a economia e resgatar bancos, mas depois rejeitam a proposta de 40 mil milhões de euros do Fundo para a Transição Justa. Este mecanismo, em conjunto com a concretização do Pilar Social Europeu podem ser o primeiro grande passo em direção a um futuro mais justo e sustentável para todes. Precisamos de canalizar apoios para que os estados-membros façam esta transição – climática e socialmente justa. Precisamos de proteger as pessoas, de colocar a vida no centro da economia, e não o lucro. No campo laboral, nós não queremos que as indústrias poluentes encerrem de forma cega, reivindicamos que o/as trabalhadore/as tenham acesso a requalificação profissional e integração (em particular, empregos públicos destinados à mitigação e adaptação às alterações climáticas). As soluções já existem, o que faz falta é vontade política para implementá-las. Na campanha “Empregos Para o Clima” (subscrita pela Greve Climática Estudantil), podem encontrar mais sobre transição justa e a criação de 100 mil novos postos de trabalho “verdes” necessários, em Portugal.
Tudo na sociedade precisa ser repensado: da forma como nos alimentamos, vestimos, aprendemos e trabalhamos. Também a forma como nos deslocamos precisa de ser alterada. Governos passaram anos a promover o uso do transporte individual e a expandir a rede rodoviária. No entanto, a resolução da crise climática também passa pela requalificação da Rede de Transporte Públicos (a nível nacional e europeu), procedendo à sua eletrificação, tornando-os acessíveis e progressivamente gratuitos. Destacamos o Transporte Ferroviário como a melhor forma para nos deslocarmos longas distâncias, menos emissões e maior rapidez quando eletrificada, e pela sua capacidade simultânea de transporte de mercadorias. Sendo 2021 o Ano Europeu do Transporte Ferroviário, mais do que falar, é tempo de investir na ferrovia.
Por outro lado, a UE quer avançar com uma Política Agrícola Comum (PAC) que destina grande parte do seu orçamento à agricultura intensiva e à expansão do agronegócio, deixando de parte pequenos e médios agricultores, que produzem produtos locais e com menor impacte no ambiente, acelerando ainda a perda de biodiversidade. Perante a seca extrema que temos assistido nos últimos anos, o crescente risco de desertificação e o aumento da vulnerabilidade dos territórios face a fenómenos climáticos extremos, temos de promover a reforma dos sistemas de produção agrários, reduzindo o uso de químicos, fomentando a agricultura biológica e modos de produção sustentáveis, com sistemas de regadio eficientes, etc. A PAC e os Planos Florestais e Agrícolas Nacionais devem operacionalizar um sistema de produção agropecuário fundamentado na agroecologia e na permacultura.
Para além disso, a Presidência Portuguesa do Conselho da UE não deixou dúvidas quanto à sua intenção de perpetuar a destruição da Amazónia, ao querer avançar com a ratificação do Acordo entre a União Europeia e os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai). A desflorestação da floresta amazónica atingiu níveis extremos devido a fogos (muitas vezes para a produção agropecuária) e a atividade mineira ilegal. Os produtos alimentares que irão chegar à EU têm a assinatura da Comissão Europeia com sangue da complacência com o genocídio indígena que daí decorrerá. Mas os atentados aos direitos humanos também nos atingem diretamente, ameaçando a soberania alimentar e o aumento da precaridade laboral de produtores locais europeus (inclusive portugueses). Havia muito mais a dizer sobre este acordo de livre comércio que não obteve nenhum estudo de sustentabilidade ou de impactes ambientais prévio, mas importa só ressaltar o aumento do tráfego aéreo e marítimo para o transporte de mercadorias entre a Europa e a América Latina, que levará indubitavelmente a um aumento de emissões.
Mas a história de quadros internacionais catastróficos não fica por aqui. É urgente falarmos sobre o Tratado da Carta da Energia (TCE). Este cobre todos os aspetos das atividades comerciais relacionadas com o sector energético, incluindo comércio, transporte, investimentos e eficiência energética; e é um perigo para o combate às alterações climáticas, o ambiente em geral, e para as finanças públicas. Como é possível empresas processarem estados através de um processo conhecido como ISDS ou “Resolução de litígios entre investidor e estado”? Não existe nenhum acordo responsável por tantos casos ISDS conhecidos como o TCE. Em março de 2020, existiam 129 reclamações empresariais. No final de 2019, 46% dos casos conhecidos do TCE permaneciam sem decisão; mas dos processos terminados, a maioria (60%) tinha favorecido o investidor, penalizando os Estados e contribuintes num total de 52 mil milhões de dólares norte-americanos. Isto acontece porque o próprio mecanismo de ISDS previsto no tratado tem inúmeras lacunas que beneficiam as grandes empresas, em detrimento dos interesses dos estados e dos cidadãos. Este tratado é um claro obstáculo às medidas que precisam ser implementadas para resolver a crise climática. Pelo exposto, enquanto presidência rotativa do Conselho da UE, há mais uma coisa que gostávamos que Portugal conseguisse fazer – queremos que a UE abandone o Tratado da Carta da Energia em bloco, e recuse a cláusula de caducidade que nos vincula por mais 20 anos. Não temos mais tempo a perder, muito menos duas décadas decisivas como estas!
Nós gritamos, mas será que nos ouvem? A verdade é que poucos nos levam a sério. Uns acham que somos “putos que querem faltar às aulas” e outros “extremistas”. É assim tão estranho querer que uma prática política baseada em evidência científica? Há anos que o IPCC anda a fazer relatórios, e já vários acordos foram assinados – infelizmente é insuficiente. Para reforçar a importância deste momento para o futuro, a European Environmental Bureau – que representa mais de 160 organizações não-governamentais de ambiente (ONGA) — apresentou uma Carta Aberta à Presidência portuguesa do Conselho Europeu com 10 grandes testes para este mandato: 1) Impulsionar uma transição justa para uma Europa sustentável e resiliente, orientando a recuperação pós-pandemia através do Pacto Ecológico Europeu; 2) Catalisar essa transição através do Quadro Financeiro Plurianual, do Pacote de Recuperação e da Reforma Fiscal; 3) Dar resposta à emergência climática, através de uma Lei Europeia do Clima que mantenha o aquecimento global abaixo de 1.5ºC abrangendo os setores da mobilidade, energia e agricultura; 4) Inverter a perda brutal da biodiversidade em terra, água doce e oceanos, bem como implementar a Estratégia de Biodiversidade da UE e investir na resiliência dos nossos ecossistemas; 5) Iniciar uma transição para uma alimentação e agricultura sustentáveis; 6) Ter como objetivo “poluição zero”, prevenindo na origem antes de chegar à água, ar e solo; 7) Descarbonizar a produção, rumo a uma indústria circular, que permita alcançar a neutralidade carbónica (lê-se “é fundamental desenvolver as conclusões do plano de ação do Conselho Europeu sobre a Economia Circular, e nomeadamente pacotes legislativos importantes como a Regulamentação do Transporte de Resíduos, a Diretiva das Baterias e a Diretiva Emissões, e incentivar um debate proativo no Conselho sobre a iniciativa política de produção sustentável”); 8) Ambiente livre de tóxicos e uma ambiciosa Estratégia de Produtos Químicos para a Sustentabilidade; 9) Reforçar a responsabilidade e o Estado de Direito, permitindo um acesso mais alargado ao Tribunal de Justiça da UE, para maximizar o interesse público e permitir maior transparência; 10) Promover a solidariedade europeia, a justiça social e ambiental, e bem-estar nas medidas de recuperação da crise pandémica e em todas as políticas.
Só queremos que ouçam a comunidade científica e organizações locais. Num período tão conturbado e incerto como aquele que vivemos, sabemos algo com toda a certeza: a crise climática vai exacerbar todas as outras crises existentes – sanitária, económica, social. Não temos tempo para planos de décadas. Nos últimos 200 anos o planeta já aqueceu 1.1ºC, e não pode aquecer mais de 1.5ºC. Esta é a barreira teórica a partir da qual o planeta pode entrar num ponto de não retorno, com alterações irreversíveis nos sistemas terrestres. A nossa casa está a arder, e temos de pegar nos extintores agora. Governos e instituições estão há décadas a deixar o fogo alastrar, e a ver o nosso futuro arder com ele. Chega de promessas vazias. Mesmo confinados e com uma redução de deslocações, 2020 foi o ano mais quente de que há registo. A crise climática não espera que a pandemia termine; e é por isso que neste momento em que nos pedem que fiquemos em casa, temos de vir para as ruas. No próximo dia 19 de março, a Greve Climática Estudantil convoca nova Greve Global pelo Clima. Juntamente com o movimento internacional Fridays For Future mobilizamo-nos para reivindicar uma ação global de mitigação e adaptação das alterações climáticas, pautada por justiça social.
Ora, já que é “tempo de agir”, importa também que o governo português aja através do exemplo, concretizando medidas nacionais mais ambiciosas. Desde 2019 que a Greve Climática Estudantil tem reivindicado por justiça climática, e apesar das conquistas (como o cancelamento do projeto de exploração de gás fóssil em Leiria, e o adiantamento do fecho das centrais termoelétricas de Sines e do Pego), estas não são suficientes para cumprir as metas necessárias. Para que consigamos garantir uma transição energética justa, queremos que durante este mandato guie os outros 26 países da UE começando internamente. Numa altura em que se fala em “cortar emissões” e “neutralidade”, é mandatário o cancelamento de todos os projetos que acarretem o aumento de emissões (e.g. construção do aeroporto do Montijo, a expansão do aeroporto da Portela e a expansão de portos de Sines, Setúbal e Leixões); a revogação do Decreto-lei 109/94, que permite a exploração de combustíveis fósseis em Portugal; e o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis. Precisamos assegurar uma transição justa, que garanta a proteção e requalificação dos trabalhadores, enquanto investe na expansão a ferrovia nacional e internacional, eficiência energética dos edifícios, um novo plano nacional florestal e agrícola fundamentado na agroecologia e permacultura, beneficiando a produção local sustentável, diversificação de espécies e promoção de árvores autóctones que previnam incêndios e secas, bem como tornar o estudo das alterações climáticas e ecologia parte do currículo obrigatório. Este é mais do que um artigo de opinião sobre a Presidência portuguesa do Conselho da UE, é um apelo gritante de dois jovens (que falam por milhões). O tempo urge, e estamos cansades de promessas vazias! Por tudo isto, dia 19 saímos às ruas em 5 localidades, e contamos com mais 13 atividades online ao longo do dia. No Algarve, temos marcada concentração no Mercado Municipal de Faro das 16h30-18h30, com rodas de debate e exposição de “artivismo climático”, com todas as medidas sanitárias e legais necessárias. Consulta mais informações nas nossas redes sociais: Redes Nacionais – Instagram / Facebook / Twitter ; Redes Regionais – Instagram / Facebook e no Site – https://greveclimaticaestudantil.pt/.
Diogo Martins & Mourana Monteiro
Ativistas da Greve Climática Estudantil – Núcleo do Algarve
O Europe Direct Algarve é um serviço público que tem como principal missão difundir e disponibilizar uma informação generalista sobre a União Europeia, as suas políticas e os seus programas, aos cidadãos, instituições, comunidade escolar, entre outros.
Está hospedado na CCDR Algarve e faz parte de uma Rede de Informação da Direcção-Geral da Comunicação da Comissão Europeia, constituída por cerca de 500 centros espalhados pelos 27 Estados Membro da União Europeia.
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