Vários comentadores adiantaram esse cenário logo na quinta-feira passada, quando a Rússia invadiu a Ucrânia. Para Victor Gao, vice-presidente de um influente think-tank com sede em Pequim, a comparação é quase um insulto: “Não há nenhuma relação”, respondeu o comentador chinês em entrevista ao Expresso. “A questão de Taiwan é completamente diferente. Taiwan faz parte da China e não é um estado independente”.
Alem disso, “a China tem o seu próprio calendário” para reunificar o país. “Nenhum país poderá bloquear a reunificação da China. Ela será alcançada pacificamente, se podermos; e não pacificamente, se tiver de ser assim”, afirmou. O “tiver de ser” quer dizer: se Taiwan declarar a independência ou em caso de ingerência estrangeira. Em Pequim, a ilha onde se refugiou o antigo governo chinês depois de o Partido Comunista ter vencido a guerra civil no continente, em 1949, é vista como uma província da China.
Nascido em 1962, Victor Gao é um dos mais conhecidos comentadores políticos da televisão chinesa. Estudou no Instituto de Estudos Estrangeiros de Pequim, considerada a principal mais escola de línguas do país, e a seguir fez um mestrado em Ciências Políticas na Universidade de Yale, nos Estado Unidos. Foi intérprete de Deng Xiaoping, o “arquiteto-chefe” das reformas que transformaram a China na segunda economia mundial.
Em declarações ao Expresso, Victor Gao realçou que “desde os anos sessenta a China tem capacidade para libertar Taiwan pela força, mas sempre defendeu a reunificação pacifica do continente com a ilha”. “Isto significa que a China tem o seu próprio ritmo para reunificação do país”, acrescentou. “É um desígnio estratégico que não pode ser distorcido por qualquer outro acontecimento”.
A guerra na Ucrânia domina os noticiários na Europa e na América do Norte, mas a imprensa chinesa tem dado também grande destaque a uma efeméride quase esquecida no resto do mundo, incluindo nos Estados Unidos. Fez a semana passada 50 anos que um presidente norte-americano, Richard Nixon, visitou pela primeira vez a China e se encontrou com Mao Zedong, um revolucionário idolatrado em muitas universidades ocidentais como “grande líder do proletariado internacional e das nações oprimidas”.
Foi o início de uma aliança estratégica contra o inimigo comum, a então União Soviética, e ficou marcada pelo chamado “Comunicado de Xangai”.
Nesse documento, assinado a 27 de fevereiro de 1972, China e Estados Unidos confirmam que “há diferenças essenciais” entre os dois países, nomeadamente acerca dos respetivos regimes políticos, mas acordam “desenvolver as suas relações com base nos princípios do respeito pela soberania e integridade territorial de todos os estados”. Quanto a Taiwan, que para Pequim continua a ser a “pedra basilar” das relações sino-americanas, os Estados Unidos reconhecem que “só há uma China” e que “Taiwan é uma parte da China”.
Cinquenta anos depois, aquela pequena ilha – com um terço da superfície de Portugal continental e cerca de 25 milhões de habitantes – continua a não fazer parte da República Popular da China. Economicamente, os dois lados do Estreito de Taiwan estão cada vez mais ligados e a contínua prosperidade da ilha depende do vasto mercado do continente. No plano político, porém, a separação acentuou-se. Ao contrário do que acontece na República Popular, os líderes de Taiwan são escolhidos por sufrágio direto, em eleições competitivas.
Desde 2018, o partido dominante mostra grande relutância em reconhecer que a ilha é uma parte da China. Trata-se do Partido Democrático Progressista, fundado há 36 anos, que aos olhos de Pequim, tem uma “agenda separatista”. O seu grande rival é o centenário Partido Nacionalista, que liderou a China durante a resistência à ocupação japonesa. Em 2024, se os nacionalistas regressarem ao poder, o ambiente ficará mais desanuviado, idêntico ao que vigorou nos oito anos que precederam a primeira eleição da atual presidente, Tsai Ing-wen, em 2016. Victor Gao não tem dúvidas: “Nenhum país poderá bloquear a reunificação da China”.
- Texto: Expresso, jornal parceiro do POSTAL