O lançamento de uma base para novos formatos de participação e pensamento sobre as políticas culturais é um dos objetivos de um projeto de arte participativa desenvolvido em Loulé e que esta sexta-feira fechou um ciclo de atividades naquela cidade.
Nos últimos seis meses, o coletivo Práticas Coletivas de Inquietude e Transformação (PELE), do Porto, desenvolveu em Loulé um projeto no âmbito do Programa Atos da Odisseia Nacional do Teatro Nacional D. Maria II, com a Fundação Calouste Gulbenkian, em parceria com a Câmara de Loulé.
Segundo explicou Maria João Mota, da PELE, o projeto, desenvolvido entre maio e novembro, culminou na última semana com a circulação por espaços públicos de um “dispositivo de ativação poética e política” – uma espécie de “estendal de ideias” onde as pessoas podiam deixar escritos os seus pensamentos – e a ocupação artística do Terminal Rodoviário de Loulé.
No entanto, para chegar a um “mapa visual dos encontros de reflexão” sobre a cultura que realizaram ao longo deste período em Loulé e a um conjunto de questões norteadoras, o grupo começou por fazer um mapeamento das práticas de agitação da cultura em Loulé, não só coletivas, como individuais.
“Fomos ao encontro das coletividades profissionais da cultura e de pessoas que, na sua comunidade, já provocam e têm vontade de provocar algum tipo de agitação”, referiu, acrescentando que o processo permitiu alcançar “uma espécie de diagnóstico poético político daquilo que são as forças, as fragilidades, as oportunidades para este território”.
Durante o processo de escuta, sublinhou Maria João Mota, foi possível chegar a algumas questões norteadoras, nomeadamente, como é que “num território vasto, assimétrico e multicultural”, as artes podem aproximar as pessoas, sendo que o próximo passo é sistematizar toda a informação e produzir uma reflexão crítica.
“Aquilo que sentimos é que é um território onde se pratica a democratização cultural, sobretudo no centro, ou seja, em Loulé. Depois, aquilo que sentimos no mapeamento e no encontro que fomos tendo com coletividades, da serra até ao barrocal e até ao mar, é que as pessoas não sentem essa apropriação, não sentem esse acesso à cultura de forma tão direta”, referiu.
Uma das fragilidades mais apontadas pelos jovens que não habitam na cidade foi a questão dos transportes: “Como é que eu posso participar se não tenho acesso a transporte? Então, isso leva-nos aqui a coisas muito complexas, que é, por um lado, se estamos a trabalhar a democracia da cultura, nós temos de garantir condições de acesso iguais para que todos possam participar”, disse.
Para a responsável, é preciso pensar como é que se evolui para que as pessoas deste território se apropriem do pensamento estratégico sobre a cultura, dos modos de produção cultural e de curadoria e como podem ter uma voz ativa no pensamento da cultura, na definição da programação.
Maria João Mota defendeu que as estruturas culturais têm de mudar o paradigma, pois “não pode ser uma pessoa a decidir o que é que uma comunidade quer ver nos seus espaços de programação”, sublinhando que quando se provoca um questionamento, é preciso as estruturas estarem dispostas “a lidar com as consequências”.
A PELE dinamiza esta sexta-feira ao final da tarde no Terminal Rodoviário, no Mercado Municipal de Loulé, e em Quarteira uma apresentação performativa dos materiais produzidos ao longo da semana, com escolas e membros da comunidade, sob o mote MANIFESTA!.
O objetivo destas ações é a cocriação de material visual sobre democracia cultural, contribuindo para o desenho de um manifesto coletivo.
No âmbito do projeto Atos, vão ainda seguir-se em Loulé um fórum, em 26 de novembro, e ações de formação dirigidas a profissionais da cultura, em dezembro.
Além de Loulé, o projeto passa também por Lamego, Évora, Ponta Delgada, Funchal e São João da Madeira.
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