Ken Follett nasceu em 1949 e estreou-se aos 27 anos na ficção com O Buraco da Agulha. Desde então, o autor britânico tem alternado entre os romances de espionagem e o romance histórico. O seu último sucesso foi a trilogia O Século, que narra a saga de cinco famílias, de nacionalidades distintas (americana, russa, inglesa, alemã, escocesa), ao longo de várias gerações, de modo a contar em três volumes (A Queda dos Gigantes, O Inverno do Mundo, No Limiar da Eternidade) a história das duas Guerras Mundiais e do período subsequente de Guerra Fria.
O autor é ainda sobejamente conhecido pelos seus outros romances históricos de fôlego: Os Pilares da Terra (1989) e Um Mundo Sem Fim (2007), que foram também adaptados a mini-séries.
Uma Coluna de Fogo foi publicado em Setembro, num lançamento simultâneo com a edição original inglesa. Não seria de esperar outra iniciativa da parte da Editorial Presença, uma vez que Ken Follett é o que se pode entender como um autor bestseller com mais de 150 milhões de exemplares vendidos, em mais de 80 países e 33 línguas.
Uma década depois, o autor regressa à saga de Kingsbridge, e mais uma vez com um salto temporal, pois estamos em 1558.
As personagens dos romances anteriores ganham agora o estatuto de lendas ou símbolos, como o prior Phillip, o monge encarregado da construção da catedral quatrocentos anos antes, que está agora encerrado num túmulo volumoso do cemitério de Kingsbridge, ou Caris, que fundou o hospital e ainda é recordada como a freira que salvou a cidade durante a peste negra.
Como observa Ned ao sair da barcaça, «a cidade não parecia ter mudado muito num ano. Locais como Kingsbridge apenas mudavam lentamente, segundo Ned cria: as catedrais, as pontes e os hospitais eram construídos para perdurar.» (p. 23). E é isso que Ken Follett parece fazer com mestria, focar-se nas grandes construções humanas e fazer delas as verdadeiras personagens dos seus romances. O priorado de Kingsbridge está agora em ruínas, desde que Henrique VIII declara o protestantismo e dissolve os mosteiros, mas a catedral ainda se mantém «alta e forte como sempre, o símbolo de pedra da cidade dos vivos» (p. 24). A história da construção de uma catedral ou de uma ponte parecem ser o verdadeiro motivo dos romances do autor, estatuídas como personagens ou entidades que assinalam a passagem do homem e que perduram como testemunho da sua capacidade inventiva e ambição:
«Ned contemplou as nervuras da abóbada, quais braços de uma multidão que se erguiam ao céu. Sempre que entrava naquele local pensava nos homens e nas mulheres que o haviam construído. Muitos deles eram celebrados no Livro de Timothy, uma história do priorado que era estudada na escola: os pedreiros Tom e o seu enteado Jack; o prior Philip; Merthin Fitzgerald, que erguera não só a ponte como a torre central; e todos os operários das pedreiras, os carpinteiros e os vidraceiros, gente vulgar que tinha feito uma coisa extraordinária, se tinha erguido acima das circunstâncias humildes em que havia nascido e criado algo de eternamente belo.» (p. 25).
Muda o tempo, mudam as personagens, saltam-se gerações nas famílias, mas mantém-se o cenário e o espírito dos outros dois livros.
Ned Willard regressa a Kingsbridge ansioso por rever Margery, depois de ter vivido um ano em Calais, o porto da costa norte de França, então sob administração inglesa.
Margery Fitzgerald vai ser forçada a casar com Bart Shiring, que pode um dia vir a ser conde de Shiring.
Isabel Tudor parece preparar-se para subir ao trono.
O autor entrelaça uma vez mais o destino de pessoas comuns com o de figuras históricas para construir um romance de grande porte e ambição. O autor decide repartir o protagonismo por um vasto elenco de personagens, pois além de Ned Willard e Margery Fitzgerald, temos ainda o irmão de Ned, o aventureiro Barney Willard, ou o oportunista e arrivista Pierre.
A narrativa está dividida em cinco partes, compreendidas entre 1558 e 1620, havendo saltos temporais de alguns anos de uma parte para outra, como forma de retratar não apenas um período de tempo mas toda uma época que corresponde à ascensão ao trono de Isabel Tudor. Em Uma Coluna de Fogo, sente-se, aliás, como a acção se distancia mais e mais de Kingsbridge para se dispersar pelo mundo, de lugares tão díspares como as Caraíbas, Sevilha ou Antuérpia.
Os eventos são perspectivados a partir do ponto de vista das próprias personagens, o que leva a que o leitor por vezes quase sinta simpatia por personagens tão execráveis como Pierre Aumande, o jovem ambicioso, que não se detém perante nada nem ninguém para atingir aquilo que mais almeja: a ascensão social que lhe permita obnubilar aquilo que a tanto custo quer esquecer, o ser filho bastardo de um padre e da sua governanta.
A conclusão a que se chega é que a ideia do livro é retratar o reinado de Isabel Tudor, na sua ascensão ao trono e na emergência de Inglaterra como uma grande potência. A nação britânica é vista como pobre e atrasada, em comparação, por exemplo, com o luxo e opulência de França. A rainha Isabel parece aliás ser permanentemente apontada por estar sempre a contar os seus tostões…
Há pormenores históricos e culturais que vão também pontuando e enriquecendo a narrativa, como o facto de as pessoas apenas tomarem banho duas vezes por ano, na Primavera e no Outono, ou o choque provocado quando Maria Stuart se decide casar de branco, uma vez que essa é a cor do luto.
Um dos pontos altos do romance é certamente o casamento da princesa Margot, a «libertina irmã do rei», com o «despreocupado Henrique de Bourbon, o rei protestante de Navarra» (p. 463), que pretendia simbolizar uma aliança entre católicos e protestantes e que resulta na Noite de São Bartolomeu: «Morreram três mil pessoas em Paris, e mais uns milhares em massacres similares noutros locais. Todavia, os huguenotes deram luta. Cidades em que eram a maioria receberam numerosos refugiados e fecharam as portas aos representantes do rei. Os membros da família Guise, enquanto católicos poderosos leais ao monarca, foram mais uma vez recebidos no círculo real, enquanto a guerra civil voltava a deflagrar.» (p. 539).
Depois de Os Pilares da Terra e Um Mundo Sem Fim se terem centrado na construção de grandes obras arquitectónicas, Uma Coluna de Fogo é essencialmente uma obra sobre a liberdade de religião e onde se respira já os valores do renascimento. Veja-se como Carlos manda pintar um retrato que quando é mostrado pela primeira vez causa algum espanto:
«O pintor retratara o casamento a ter lugar numa grande casa que podia pertencer a um banqueiro de Antuérpia. Jesus estava sentado à cabeceira da mesa com um manto azul. A seu lado, o anfitrião da festa era um homem de ombros largos com uma barba preta cerrada, muito parecido com Carlos; ao lado deste sentava-se uma mulher loura e sorridente, que poderia ter sido Imke.» (p. 395).
Este é um romance de fôlego que tanto pode ser lido pausadamente como de uma só vez. Não nos perdemos na acção e a leitura nunca se torna cansativa, talvez daí a opção do autor pelos saltos temporais de modo a captar os momentos cruciais da acção que é, afinal, um retrato de uma época, mais do que as aventuras e desventuras das personagens.
Existem alguns lugares comuns que parecem difíceis de evitar, como a jovem obrigada a casar pelos pais para que a sua família, pertencente à classe da burguesia, possa ascender socialmente, mas há uma atenção inegável ao detalhe e ao rigor histórico, bem como a capacidade de contar uma boa história e de passar informação de forma acessível. Existe, todavia, um cuidado de facilitar a leitura ao leitor que resulta, por vezes, em alguma redundância, como, por exemplo, quando se refere a Navarra sente a necessidade de reiterar que é um pequeno reino entre Espanha e França.
Uma nota especial para a edição. A Presença opta por lançar a obra num só volume, o que parece preferível, e é algo que poucas editoras fazem. Resulta num livro maior, com 768 páginas, mas a qualidade do papel tornam-no leve e facilmente manuseável que dá gosto ler e transportar.
(Artigo publicado na edição papel do Caderno Cultura.Sul de Novembro)