Nos últimos artigos abordámos aspetos relativos à relação entre a arte e o meio urbano, através da arte urbana ou “street art,” sendo analisada em particular a produção artística feita a partir de “lixo”. Os artistas que se enquadram neste movimento apresentam em geral preocupações ambientais e ecológicas, nomeadamente ligadas à preservação do ambiente e à reciclagem ou reutilização de materiais.
Desta vez, pretendemos aprofundar a relação da produção artística com o meio ambiente natural, em particular a “land art”.
A “Land Art” (“Earth Art” ou “Earthwork”; pode traduzir-se como “arte da terra” ou “arte sobre a paisagem”) foi um movimento artístico que surgiu no final da década de 60 nos Estados Unidos e na Europa, expressando a interligação e integração entre a natureza e a arte, em que a natureza além de suporte, faz parte da própria criação artística. Assente na perspetiva de que na natureza nada se perde, pois tudo se transforma, a principal característica seria a utilização de recursos provenientes da própria natureza para o desenvolvimento do produto artístico, com o intuito de chamar atenção para a grandiosidade da natureza como local central de experimentação artística.
Ao contrário da arte exposta nos museus, galerias ou ateliers, a “land art” propõe ultrapassar as limitações do espaço tradicional, sendo a arte realizada e exposta em vastos espaços, como praias, mares, lagos, lagoas, desertos, montanhas, canyons, campos, planícies, planaltos, dentre outros. Não se trata de representar a paisagem, mas criar nela, dentro dela e a partir dela, fundindo-se a arte com a natureza.
Os produtos artísticos assim realizados não poderiam ser adquiridos, nem ter cotação, pelo que este movimento também representou uma crítica à sociedade economicista e consumista, em que a arte seria para ser consumida como mera decoração.
Além disso, sendo a arte expressão das mudanças sociais, este movimento representou também um aumento do interesse pelas questões ambientais e ecológicas. Ao serem na sua grande maioria efémeras, destruídas mais ou menos rapidamente por ação do tempo e dos agentes naturais, apenas persistindo no tempo através de meios de registo como o vídeo ou a fotografia, as criações em “land art” alertam para a precariedade de recursos naturais e para a necessidade em investir no planeta.
O trabalho mais conhecido é provavelmente a “Plataforma Espiral” (“Spiral Jetty”), que Robert Smithson realizou em 1970, no Great Salt Lake, em Utah, nos EUA. Construída com terra e pedra sobre a água, numa extensão superior a quatrocentos metros, esta obra veio posteriormente a ser destruída pela própria água.
Uma manifestação de produção artística a partir da natureza ocorre todos os anos em Armação de Pêra, no Algarve, durante o verão. Contando já com 15 edições, este ano o FIESA (Festival Internacional de Esculturas em Areia) é dedicado ao tema das artes. Nesta “cidade de areia” encontram-se esculpidas dezenas de esculturas a partir de 45 mil toneladas de areia. Este ano, até 31 de outubro, podemos encontrar esculpidas cenas de quadros de Picasso, Dali ou Miguel Ângelo. Vale a pena visitar…
Ao falarmos de escultura, gostaríamos de abordar neste artigo o trabalho de Vhils. As suas obras são realizadas e encontram-se expostas ao ar livre, consistindo em esculturas em paredes.
Nos últimos artigos, para cada uma das questões que colocámos, procurámos aprofundar o trabalho de artistas plásticos que realizam o seu trabalho ao ar livre, em manifestações de arte urbana. Assim, foram analisados aspetos particulares dos trabalhos artísticos desenvolvidos por Banksy, no artigo “Qual o “peso” de se saber quem é o autor da obra?”, e por Bordalo II, no artigo “Pode a arte emergir a partir do “lixo?”.
Desta vez, pretendemos analisar o trabalho artístico de Vhils (nome artístico de Alexandre Farto), mencionado pela revista Forbes na sua lista de histórias de sucesso de pessoas com menos de 30 anos, na categoria de Art & Style, e recentemente convidado pela banda U2 a produzir o vídeo de uma das músicas do último álbum, Raised by Wolves. Já em 2014, Vhils havia sido um dos nomes que constava na lista dos melhores murais executados em todo o mundo, com um mural realizado em Lodz, na Polónia. Este artista cresceu no Seixal, onde começou por pintar paredes e comboios com grafite, aos 13 anos, antes de ir para Londres estudar Belas Artes. Conta com criações em vários países, como Tailândia, Malásia, Hong Kong, Itália, Estados Unidos, Ucrânia e Brasil. Conhecido internacionalmente por esculpir rostos em paredes, criou este ano uma obra em Beja, no âmbito do segundo Festival Beja na Rua. Este verão decorreu também uma exposição sua em Pequim, intitulada “Imprint”, constituída por 70 retratos esculpidos em baixo relevo. A preocupação com questões sociais está presente nos seus trabalhos. Por exemplo, homenageou os moradores de um bairro que estava em processo de despejo, esculpindo-os nas ruínas, para lembrar que, segundo as suas próprias palavras, “quando se destroem as paredes sem dar alternativa, é a vida da pessoa que se destrói também”.
Terminamos este artigo com a referência a um trabalho que selecionámos, o qual ilustra que a natureza em si mesma é arte, pois trata-se dum “ready made” da própria natureza. Foi um coral encontrado na praia, com a forma de cérebro, que intitulámos “Concha com cérebro: Ready made do mar”.
(Artigo publicado na edição papel do Caderno de Artes Cultura.Sul de Outubro)