A preservação da memória e das tradições dos antepassados formam um legado que pesa na construção social da herança cultural e da memória colectiva. Essa redescoberta da memória, da tradição e da identidade, tem uma autenticidade que facilita a criação de atractivos turísticos. Permitir a experiência turística, desde que de forma sustentável, valorizando a paisagem, as populações idosas e os seus saberes, reavivando imaginários, pode ser uma mais-valia para todas as partes: para quem visita e para quem é visitado.
Os espaços rurais podem permitir a experiência turística sustentável com actividades que vão ao encontro de uma imagem idílica do rural, que creio ainda existir no mais remoto Algarve interior.
Segundo a Convenção Europeia da Paisagem, assinada por Portugal e pelos restantes membros do Conselho da Europa, em Outubro de 2000, a paisagem desempenha importantes funções de interesse público no âmbito cultural, ecológico, ambiental e social e constitui claramente um recurso favorável à actividade económica. Ainda segundo a mesma Convenção, o património do mundo rural deve ser entendido e utilizado, tendo em conta todas as suas componentes (paisagem, edifícios, técnicas, instrumentos, saberes-fazer e o próprio homem rural), como um factor de desenvolvimento.
O turista que valoriza o turismo de experiências, venha ele para o Algarve ou para qualquer outra região do país, certamente procura a hospitalidade, a dimensão estética, algum entretenimento e a vivência diferenciada. Na procura dessa vivência o turista quer cada vez mais a experiência em que não seja apenas um espectador passivo na sua viagem, mas que seja um actor que participa e vive momentos únicos e que possa contar o que experienciou.
Alguns exemplos de actividades que permitem fruir o espaço através da vivência de novas experiências são: o amassar o pão, colocá-lo no forno, no final degustá-lo ainda quente juntamente com os produtos da região, como os enchidos, o presunto, o queijo, o mel e as azeitonas. As visitas às adegas, destilarias, melarias, lagares, a par da participação em actividades como a apanha do medronho, da azeitona ou da alfarroba.
Estas são experiências que permitem um contacto com modos de vida ancestrais e que valorizam a milenar cultura mediterrânica. Será a fruição desses saberes e sabores, enquanto parte do património imaterial, que enriquece a experiência turística.
Daí a referência à experiência turística sustentável, em que exista uma redescoberta e interpretação do território rural, com alternativas para o desenvolvimento dos territórios rurais. Em que os recursos sejam valorizados e que possam permitir que a pouca população existente se mantenha nos locais de origem e obtenha alguma rentabilidade na manutenção das suas tradições, e que também lhe permita manter um equilíbrio na sua relação com o passado, o presente e o futuro.
Inovação e criatividade
O Algarve tem uma excelente oferta turística de natureza e de experiências com actividades muito variadas, tais como caminhadas, passeios a cavalo e de burro, passeios de observação de aves, de borboletas e libelinhas, observação de árvores (no Algarve existem algumas árvores centenárias), observação de plantas, como por exemplo de orquídeas selvagens (há uma agência inglesa que traz grupos ao Algarve para ver orquídeas).
Principalmente na serra existem muitos turismos rurais e empresas a ter sucesso com estas atividades.
Através destas e de mais ideias inovadoras, vai-se reinventando os recursos existentes de forma a criar novos produtos, novas ofertas turísticas. Num sector de grande competitividade como este, as empresas devem implementar formas de colaboração no sentido de partilharem experiências, porque a maioria das actividades são complementares.
Não basta limitar-se a oferecer o que a natureza e história dão, é necessário trabalhar no sentido de criar produtos inovadores e dinâmicos, ofertas de valor acrescentado, onde a participação e a experiência devem ser as componentes mais valorizadas.
Ao ter criado em 2013 uma start-up de eventos (particularmente na natureza e em espaço rural) e de serviços (mais direcionados para autarquias) aprendi a valorizar ainda mais as potencialidades do meio rural e a criar novos produtos com base no conhecimento desse meio.
Ao longo deste tempo tenho conhecido outros empreendedores, com os quais há bom entendimento e alguma troca de experiências e parcerias. Há iniciativas pouco conhecidas, mas originais e criativas, onde as artes e ofícios são valorizados, tal como tardes em que os turistas portugueses vão ouvir tradições, lendas, mezinhas. Tardes com o ferreiro, o ferrador, o artesão, o latoeiro, o sapateiro. São actividades que não exigem muitos recursos e que transmitem o valor da memória, da aprendizagem e da capacidade criadora.
De referir também Loulé Criativo Turismo enquanto oferta organizada que permite à “nova geração do turismo” participar activamente na cultura, tradições e modo de vida dos residentes, em interacção com as gentes e o carácter singular do destino turístico, conforme referido no site do município.
A dinâmica dos estrangeiros residentes
É do conhecimento geral que a cultura e o património configuram importantes âncoras de atracção de turistas, visitantes e novos residentes. Ao mesmo tempo, permitem a requalificação de lugares e a melhoria das condições de vida das populações, principalmente em zonas de baixa densidade. A este nível posso referir que alguns residentes estrangeiros têm dado uma certa dinâmica ao interior algarvio.
O Algarve devia apoiar-se mais na comunidade de estrangeiros residentes, principalmente nos que tem ligação com o meio artístico. São no geral pessoas com uma visão bastante ampla, com experiências de vida muito enriquecedoras e dispostas a dar contributos para um Algarve mais criativo.
No âmbito da tese de mestrado que defendi em 2002, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, comecei a estudar academicamente estas populações e as suas dinâmicas. Encontrei pessoas com imenso valor e vontade de dar contributos para um Algarve mais aberto ao mundo: desde artistas, diplomatas, académicos, médicos, terapeutas, escritores, etc.
Aproveito para sugerir a visita à exposição de pintura de Günter Grass, romancista, dramaturgo, poeta, intelectual, e artista plástico alemão, que foi vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 1999 e que tinha casa no Algarve, no concelho de Portimão.
A exposição será inaugurada hoje, dia 8 de Dezembro, e ficará patente até dia 4 de Março 2018 no Museu de Portimão.
Voltarei a esta temática do trabalho de investigação sobre estrangeiros residentes no Algarve, numa outra edição do Postal do Algarve.
(Artigo publicado na edição papel do Caderno Cultura.Sul de Dezembro)