Dono de um talento inconfundível para a música, um humor excecional e um dom para a palavra e para conversas mais íntimas. É assim que amigos e familiares de Marinho Pires o descrevem. Partiu cedo, com apenas 52 anos e deixou para trás a caminhada de sucesso no mundo do Rock, onde integrava a banda IRIS.
Nasceu em Angola e veio para Portugal na altura da Revolução de Abril (1974). Olhão foi a cidade que o acolheu. A sua infância foi feliz e acompanhada dos pais, que infelizmente já partiram. No ano de 1990 cumpriu o serviço militar no Regimento de Infantaria de Beja e foi ainda bombeiro. Filho único, era apaixonado por animais, tinha dois cães em casa, um que faleceu recentemente. Gostava de passear na praia e esperava ter mais tempo para o fazer, na companhia da sua mulher, Alexandra Santos. O mar não será mais observado pelo artista, mas na memória de quem o ama ficarão as ondas que viram juntos.
Durante toda a sua vida, Marinho Pires dedicou-se à música. Tocava baixo, guitarra, bateria e teclado. A sua vida na música começou cedo, na Fuseta. Em termos de projetos, participou na banda Íris, em meados de 1988, quando ainda era banda de Hotel e Bares, seguiu-se Deká, T-Zão, Swing Brasil e o regresso aos IRIS em 2004. No meio deste trajeto passou por diversos outros, sempre relacionados com música.
A companheira de Marinho Pires revela que eles sempre se conheceram, desde os tempos de escola. Mais tarde, num bar em Faro, os olhares cruzaram-se e a música uniu em sintonia Alexandra Santos e Marinho Pires. “O que nos manteve juntos durante estes anos todos foi o amor, o companheirismo e a amizade”. Falar do artista pode até parecer cliché, mas a verdade é que ele era uma pessoa muito humana, preocupada com os outros e com boas histórias para contar. A relação de ambos era muito pacífica, “sempre tivemos uma boa relação, de companheirismo, amizade e compreensão”.
Sobre a música e a relação que o seu companheiro tinha com ela, Alexandra Santos diz apenas que “a música era tudo para ele”. Inclusive, Alexandra procura algumas músicas que fizeram parte da carreira do artista e que ficaram “para trás”, numa época onde os telemóveis não eram ainda muito avançados em termos de competências de vídeo.
“Era uma pessoa excecional, para além de um baixista fabuloso” – Carlos Maria
A partida do companheiro deixa um enorme vazio a Alexandra Santos, que começou recentemente a trabalhar e gere ainda esta dor. Foi a primeira a saber da notícia e foi ela que contou a alguns amigos, uma tarefa dolorosa. Conheceram-se através da música e viajaram muitos quilómetros juntos, durante vinte e seis anos. Carlos Maria, amigo de Marinho Pires, recorda-o como alguém “muito simpático e com muita empatia”, onde, no meio de tantas aventuras, as conversas eram sempre agradáveis. “Era uma pessoa excecional, para além de um baixista fabuloso, uma pessoa culta, inteligente e que falava sobre qualquer assunto”. O humor de Marinho Pires era muito destacado entre os seus amigos, devido à ironia e sarcasmo que colocava nas piadas.
“Foi ele que me trouxe para a música mais a sério” – Carlos Guerreiro
Para Marinho Pires a música era a sua vida e foi a ela que sempre recorreu nos momentos mais complicados. “Ele tinha um dom”, afirma Carlos Maria. “Eu, como teclista, aprendi muita coisa com ele”, como se fosse “uma escola”. A sua vida musical era muito intensa e as suas ideias eram diversas, sempre no sentido de melhorar. Marinho Pires assumia um papel de coordenador em quase todos os projetos que realizou ao longo da sua passagem pelo mundo. A sua forma de tocar baixo era diferente, o que lhe conferia uma autenticidade enorme.
A sua personalidade, vista através dos olhos de Carlos Maria, era muito extrovertida. Marinho Pires conversava com qualquer pessoa “’super’ músico e ‘super’ humano”. Para o músico, per- deu-se um irmão. As caminhadas em conjunto eram muitas e “foi um grande choque” quando a notícia chegou. “Ele era muito novo” e foi muito difícil para Carlos Maria gerir a situação.
Já Carlos Guerreiro conheceu Marinho Pires em 1994, quando ele tinha uma banda e ensaiavam por cima da casa dos seus pais. O primeiro contacto foi apenas por pura curiosidade de Carlos Guerreiro em relação à música, uma vez que esta é também a sua paixão. Marinho Pires acabou depois por convidar o amigo, já em 1998, para integrar a banda de funk algarvia T-Zão, na substituição do teclista, que ia embora. A conversa aconteceu por chamada telefónica e Carlos Guerreiro revela que “foi ele que me trouxe para a música mais a sério”, uma vez que deixou de tocar numa banda de garagem e começou em modo semi profissional. “Ele nasceu para ser rock star”, afirma.
Carlos Guerreiro conta que “às vezes tínhamos alguns atritos, mas gostávamos muito um do outro”.
Três dias antes de falecer, Marinho Pires ligou ao amigo e partilhou a sua vontade de voltar ao estúdio. Todos os amigos já sabiam do estado de saúde do artista, mas a morte de alguém que gostamos é sempre algo inesperado e foi precisamente essa a reação de Carlos Guerreiro. “Para mim ele era família, não acredito que ele morreu.Ainda penso que vou ligar para ele e ele está ali”.
Marinho Pires faleceu devido a uma paragem cardiorrespiratória. Fazia diálise há muito tempo, mas nem isso o impedia de ser a pessoa alegre que era. Alexandra Santos resume a pessoa que foi o seu companheiro numa palavra: grandioso. A música não pode parar, mas ficou mais pobre. A batida faz-se agora com Marinho Pires no coração. Rock On!