O mundo nem sempre é justo. De que se poderia queixar o Algarve?
Fui escuteira durante a minha juventude e houve uma frase do fundador do escutismo, Lord Robert Baden-Powell, que aprendi naquele movimento e que incorporei completamente. Dizia ele que devíamos deixar o mundo um pouco melhor do que havíamos encontrado. Portanto, acho que “queixar” não adianta muito. Sou mais apologista do “fazer”.
Devemos desconfiar cada vez mais das emoções que habitam as palavras publicadas nas redes sociais?
As emoções devem ser sempre levadas a sério, sejam as das redes sociais, sejam outras. Para mim, estas redes são, acima de tudo, um modo de poder aceder a pessoas que nunca conheceria. Se, por um lado, aquelas podem levar a excessos de linguagem (e de emoções), por outro, encontra-se aí uma liberdade de expressão muito construtiva, que leva à partilha de ideias e de iniciativas.
Alguma palavra vale mais que mil imagens?
Em mim, as palavras evocam mais imagens do que as imagens provocam palavras. Por outro lado, há imagens que me trazem à memória textos inteiros, alguns escritos a pensar nelas. A essa descrição literária de uma obra de arte chama-se, desde a antiguidade, écfrase. Para não citar os gregos (a começar logo por Homero), Nuno Júdice, Sophia de Mello Breyner Andresen ou João Miguel Fernandes Jorge são autores de poemas ecfrásticos. Convido à leitura do poema de Jorge de Sena “Cabecinha romana de Milreu” e a visitar o Centro Interpretativo daquela Villa romana, em Estoi, onde temos uma cópia do busto que lhe serviu de inspiração.
Não sente que continuamos a levar pouco a sério a comunidade artística?
Não.
Lembra-se do primeiro livro que a fez querer descobrir mais da vida?
Vivi sempre rodeada de livros. A Jane Eyre, da Charlotte Brontë, que li aos 10 anos, impressionou- me muito. Depois, aos 13 anos, foi Eça de Queirós que me fez querer ler mais e diferente. Quando fiz 16 anos, o meu professor de Grego (era a única aluna) ofereceu-me a Ilíada. Na dedicatória, escreveu: «Que a leitura dos escritores da Antiguidade Clássica te ajude a aprofundar o sentido da vida». E assim tem sido, desde então. Leio muito, mas volto sempre à Ilíada.
Os vinhos pedem música ou silêncio?
Nem música, nem silêncio. Raramente bebo, mas quando o faço, prefiro tinto, acompanhado de queijo e pão. E de companhia, com boa conversa. Nessas ocasiões, não gosto de música de fundo, porque os sons ficam todos baralhados: nem se ouve a música, nem as pessoas.
Durante quase uma década, assinou uma das rubricas culturais mais importantes da imprensa regional no Cultura.Sul do Postal do Algarve. Que balanço faz?
Escrever no Cultura.Sul do Postal do Algarve foi uma experiência muito valiosa. Sempre senti que era uma missão de “extensão cultural”, como agora se diz: partilhar o que me entusiasma, na área da literatura, desde os textos mais antigos e consagrados à edição de autor mais desconhecida. Sei que consegui motivar alguns leitores a interessarem-se por escritores que conheceram pelos meus artigos. Saber isso (através de mensagens que me enviaram ou dito pessoalmente), deu-me uma grande satisfação.
As mulheres ainda vão governar o mundo?
O mundo é governado por seres humanos.
Os sucessivos Governos têm tratado bem a Cultura no Algarve?
[A esta pergunta, Adriana Nogueira não respondeu]
Que cunho pessoal poderemos esperar de si frente à Direção Regional de Cultura do Algarve?
A minha dedicação ao serviço público está garantida, assim como o meu entusiasmo e otimismo. Sou dialogante, empenhada, e gosto muito de estudar e de aprender coisas novas. Nestas semanas, já me dei conta de que tenho uma equipa de técnicos superiores e de assistentes técnicos e operacionais competentes, que estão no terreno há muito tempo. Está a haver uma interação produtiva entre os seus saberes e as minhas formações e interesses.
A Pergunta ao entrevistador
Adriana Nogueira: O que espera o Cultura.Sul dos seus leitores?
Henrique Dias Freire: Nenhum texto existe sem os seus leitores. O acesso à cultura é um bem imprescindível para o pleno exercício da cidadania. Esse é o compromisso do Cultura. Sul, suplemento do Postal do Algarve. A edição do Cultura.Sul só é possível graças à dedicação dos seus colaboradores. Saiba a região e os seus leitores tirarem partido do esforço colossal que é editar o Cultura.Sul.
Escolhas da Minha Vida!
O Livro: “Antígona”, de Sófocles
A Canção: Muitas. Ultimamente, ando com o «Lascia ch’io pianga», de Händel, na cabeça.
A Obra de arte: “Ariadne em Naxos”, de Jorge Martins.
A Localidade: O Algarve: pelas pessoas, pela luz, pelo espaço.
A Viagem: A Grécia. Sempre a Grécia. Já lá fui várias vezes. Já lá vivi 4 meses. Quero sempre voltar.
O Conselho: “Dá-te com aqueles que te possam tornar melhor, convive com aqueles que tu possas tornar melhores” (Séneca, Cartas a Lucílio, I, 7. 8).
As Mulheres: A minha avó materna e a minha mãe. Dois exemplos de bondade, generosidade, aliadas à inteligência e à força.
(Artigo publicado no Caderno Cultura.Sul de Janeiro)